Em tempos de mercado mal-humorado, reflexo das incertezas econômicas globais e no país, os investidores têm dado sinais pouco amigáveis em relação à JBS, empresa que protagonizou o negócio mais importante do setor de proteínas animais até agora neste ano: a compra da Seara Brasil. Para a Marfrig, que vendeu, o céu não é de brigadeiro, mas seu desempenho na bolsa desde o anúncio do negócio foi bastante superior ao do Ibovespa.
Desde 7 de junho (dia útil anterior ao anúncio da compra da Seara), as ações da JBS caíram 16,55%. Os papéis da Marfrig, que se recuperaram em pregões recentes, tiveram queda de apenas 0,40% no mesmo período, enquanto o Ibovespa teve perda de 9,15%, segundo o Valor Data.
A queda nas ações fez o valor de mercado da JBS despencar de R$ 20,457 bilhões, em 7 de junho, para R$ 17,071 bilhões ontem, conforme cálculos do Valor Data. O da Marfrig saiu de R$ 3,875 bilhões para R$ 3,86 bilhões na mesma comparação, e ficou praticamente estável.
A JBS comprou a Seara Brasil da Marfrig por R$ 5,85 bilhões, em operação na qual assumirá dívidas bancárias da Marfrig. Com o negócio, o endividamento líquido da Marfrig, que era de R$ 9,8 bilhões, cairá para menos de R$ 4 bilhões e sua alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda), que estava em 4,4 vezes no fim do primeiro trimestre, deve recuar para menos de 3 vezes, conforme estimativas do mercado.
Já a JBS, que desde 2012 vinha tomando medidas para reduzir a alavancagem, deve ver uma piora nesse indicador. A relação entre a dívida líquida e o Ebitda da companhia passou de 4,3 vezes, no fim de primeiro trimestre de 2012, para 3,4 vezes, no mesmo intervalo deste ano. A expectativa de analistas é que a alavancagem da JBS tenha um repique na conclusão da operação de compra da Seara Brasil e que atinja cerca de 3,5 vezes no fim do ano.
Nos primeiros dias após o anúncio da operação, as ações de Marfrig ganharam um pequeno fôlego, mas perderam terreno, na esteira do forte movimento de vendas na BM&FBovespa, principalmente depois do anúncio de que o Federal Reserve, o banco central americano, pode reduzir os estímulos à economia dos Estados Unidos. Voltaram a se valorizar nos últimos dias, num aparente movimento de ajuste. Já os papéis da JBS praticamente só recuaram desde o anúncio da compra da Seara.
Ao anunciar a venda da Seara Brasil e a consequente redução de sua alavancagem, a Marfrig esperava um aceno positivo dos investidores, mas o desempenho recente mostra certa ambiguidade por parte do investidor. Ainda que a iniciativa da Marfrig para reduzir o endividamento tenha tido recepção favorável, persistem incertezas quanto ao futuro da companhia. A agência Fitch chegou a dizer que havia potencial para a empresa fazer uma nova venda de ativo. No anúncio da operação, contudo, a Marfrig informou que não terá de vender novos ativos para melhorar sua estrutura de capital.
Por sua vez, a previsível alta da alavancagem da JBS desagradou aos investidores, que viam com bons olhos as medidas tomadas pela empresa no último ano para ficar menos alavancada. Não bastasse isso, na semana passada a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também questionou a JBS por seu elevado volume de operações com derivativos.
Se as incertezas sobre a alavancagem da JBS e a capacidade de retomada da Marfrig após a venda de um de seus principais ativos têm influenciado o mercado, há também muito de especulação, segundo analistas do segmento. Os papéis das duas empresas são considerados especulativos, portanto, muito suscetíveis aos humores do mercado.
Uma fonte do setor de frigoríficos observa que há muitos estrangeiros nesses papéis e que, nos últimos dias, a bolsa brasileira viu uma debandada desse tipo de investidor. “Num cenário de incertezas, acentua-se o mau humor em relação a empresas com papéis mais especulativos”, observa uma fonte do setor financeiro. “A liquidez é diferente, por isso esses papéis estão sujeitos a qualquer movimento do mercado”, acrescenta.
A BRF, que chegou a fazer uma oferta à Marfrig pelas operações asiáticas da Keystone, também sofreu com a volatilidade recente na bolsa, mas menos que o Ibovespa. As ações da empresa tiveram perda de 4,27% entre 7 de junho e ontem.
Considerando um período mais longo, no entanto, a BRF chegou a ampliar seu valor de mercado. Entre o fim do primeiro trimestre e ontem, o valor saiu de R$ 38,815 bilhões para R$ 40,729 bilhões. Já JBS e Marfrig perderam força na mesma comparação (ver quadro). Em grande medida, o desempenho da BRF se deve ao perfil do investidor da companhia, que faz apostas de médio e longo prazo, lembra uma fonte.
Resta saber qual será o comportamento do investidor agora que a BRF tem um competidor mais agressivo no mercado, depois que a JBS comprou a Seara Brasil. De fato, enquanto era da Marfrig, a Seara não representou grandes desafios para a BRF.
Além de um concorrente de mais fôlego para a empresa resultante da união entre Perdigão e Sadia, o negócio entre JBS e Marfrig também pode significar uma disputa entre BRF e a Marfrig. A razão é que a Marfrig repassou à JBS marcas da Seara que haviam sido adquiridas da BRF, em 2011, dentro do acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que permitiu a sua criação. Ocorre que o acordo entre BRF e Marfrig previa que esta última não poderia vender as marcas adquiridas por um período de cinco anos. Conforme apurou o Valor, a BRF já sinalizou que não ficará de braços cruzados.
Aparentemente distante dos recentes movimentos no setor de proteína animal, a Minerva Foods sofreu menos com a onda de volatilidade na bolsa. Desde 7 de junho, os papéis da companhia perderam 2,42%. O perfil mais conservador da Minerva, principalmente no que diz respeito a aquisições, contribui para o desempenho, avalia um especialista. “Na atual conjuntura, há investidores que preferem um perfil assim”, afirma.