O que tem acontecido nos últimos dias representa a maturidade democrática do País. Importante, autêntica e apartidária, a mobilização nacional que tem levado centenas de milhares de jovens às ruas das principais cidades brasileiras clamando contra a corrupção, exigindo saúde, educação de qualidade, melhoria nas questões de mobilidade urbana, segurança pública e, enfim, condições dignas e qualidade de vida, demonstra que a população está atenta e quer os impostos pagos retornando ao povo na forma de serviços públicos de qualidade.
Nos últimos anos, em função das facilidades para viajar para o exterior, a classe média brasileira, formadora de opinião e uma das bases dessa mobilização, tem podido observar que em diversos países os impostos pagos retornam eficientemente à sociedade. E questionam: por que no Brasil é diferente?
Somado a isto, através das redes sociais, meus filhos, assim como milhares de jovens, falam com “amigos” de toda parte do mundo, e se sintonizam com o que está acontecendo, emitem opiniões, recebem respostas e se mobilizam para questionar as ações dos legisladores e governantes. Em minha opinião, tudo isso foi o estopim do movimento.
As questões levantadas pelo movimento são relevantes, mas quero chamar a atenção para o fato de que elas são os sintomas de uma grave doença que assola o País há muitas décadas.
Este movimento tem uma característica clara e marcante: é urbano, com base nas grandes cidades. Daí, como tenho uma vida inteira dedicada ao setor agropecuário, neste momento tento colocar na mesa o que considero uma das origens desta doença.
As famílias que migram do interior para as cidades grandes, por não ter condições de permanecer no campo, por falta de oportunidades ou devido a intempéries climáticas como a seca que assola o Nordeste brasileiro nestes últimos anos, ou ainda pela ilusão de que encontrará melhores condições de vida para seus filhos, quando chegam aos centros urbanos geralmente vão morar na periferia, e passam por um período inicial de desemprego e adaptação à nova vida.
Essas famílias sofrem então fortes impactos sociais. Seus filhos, que tinham liberdade na zona rural, acabam entrando em contato com pessoas envolvidas com a marginalidade, o que pode levá-los a caminhos tortuosos como o das drogas, da prostituição infantil e da delinqüência.
Este processo migratório incha as grandes cidades, aumenta a demanda por serviços públicos e gera a favelização. Por isso considero que esta é uma das origens desta doença. A questão não é nova. Não é culpa dos atuais governos municipais, estaduais e federal. São problemas crônicos, que tem atravessado décadas.
Se as pessoas que migram fossem atendidas no interior por serviços básicos eficientes; se déssemos o apoio devido ao homem do campo, valorizando-o como responsável pela produção do alimento que chega às nossas mesas, e se as questões de convivência com a seca fossem efetivas e definitivas, será que o inchaço urbano aconteceria?
As pautas colocadas pelo movimento são importantes, mas um pacto pela agropecuária também é, porque iria trabalhar a origem do que está ocorrendo hoje, fruto de algo que há décadas acontece no campo: o êxodo rural.
É hora de efetivarmos um pacto pela agropecuária do País, para termos a garantia do fornecimento do alimento, mas, acima de tudo, a garantia da permanência do homem no campo com dignidade e sustentabilidade.
Nestes três anos à frente da Secretaria Estadual da Agricultura, tenho certeza que eu e a minha equipe temos nos esforçado enormemente, com apoio incondicional do governador, mas tudo isto sempre será pouco, pois os recursos são escassos e a estruturação definitiva do setor demanda uma força tarefa com recursos oriundos do pré-sal ou de outras fontes constantes e definitivas, que permitam nas próximas décadas investimentos decisivos que realmente cumpram o papel de fixação do homem no campo e contribua para a melhor qualificação social do País.
A Bahia e o Brasil são grandes celeiros de produção de alimentos e precisam de um pacto pela agropecuária, para que tanto o campo como as cidades vivam em paz.
Eduardo Salles é engenheiro agrônomo, mestre em irrigação e drenagem, secretário de agricultura do estado da Bahia e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Agricultura (Conseagri)