As previsões climáticas para a safra 2012/13 no Brasil, que até então pareciam coroar a expectativa de uma colheita recorde de grãos, enfrentaram o primeiro baque. Análises meteorológicas mais recentes indicam que pode haver um atraso na chegada das chuvas a Mato Grosso, o que postergaria o plantio de soja e, eventualmente, puxaria para baixo a produção no Estado.
A culpa pelo adiamento das precipitações seria do El Niño, evento climático provocado pelo aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico. O fenômeno, que costuma ser festejado pelos produtores por trazer as chuvas tão necessárias ao plantio, está influenciando o país neste ano, mas de forma menos intensa.
“Não temos um El Niño clássico. Ele está realmente enfraquecido”, avalia Tatiane Martins, meteorologista da Somar. Em vez das precipitações, normalmente associadas ao El Niño, a porção mais ao sul do Brasil enfrentou um período bastante seco em agosto. Também Mato Grosso, coração do cultivo de soja no país, não vê chuvas consideráveis (com mais de 10 milímetros) há cerca de 100 dias, o que amplia o temor em relação à umidade do solo às vésperas do plantio, oficialmente liberado a partir de 15 de setembro. Quase que religiosamente, as precipitações em Mato Grosso têm início na segunda quinzena deste mês, o que pode não acontecer neste ano. “O mais provável é que as chuvas venham de forma mais expressiva somente no início de outubro”, explica Tatiane.
O Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) já teme os efeitos desse possível atraso, pelos potenciais impactos sobre o nível de produtividade da soja, hoje estimado em 51 sacas por hectare. “Pode haver ainda uma interferência na safrinha de milho, já que quanto mais cedo se cultiva a soja, maior é a janela de plantio de milho no início do ano. Por isso, a área recorde de 2,9 milhões de hectares esperada em 2013 para o grão no Estado pode não se concretizar”, afirma Daniel Latorraca, gestor do Imea.
A entidade já projetava que o rendimento do milho na próxima safra cairia 23%, para 80 sacas por hectare, porque o clima foi excepcionalmente bom neste ano. Se o tempo não ajudar, essa queda pode ser ainda maior em 2013. Esse temor está longe de ser um sofrimento por antecipação, já que a programação para a safrinha do ano que vem já começou. Ontem, o Banco do Brasil já anunciou a liberação de US$ 1 bilhão para a compra antecipada de insumos para a safrinha.
Por outro lado, um rearranjo no calendário de semeadura aliviaria o problema de acesso aos fertilizantes, já que a paralisação dos servidores do Ministério da Agricultura e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atrapalhou o desembarque de insumos nos portos do país. “Seria frustrante que a chuva começasse e o produtor não tivesse fertilizantes”, diz Latorraca.
Protelar o plantio da soja também ampliaria o tempo disponível para o controle da ferrugem. Vistorias feitas na entressafra pela Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja) indicam que grande parte das plantas que nascem voluntariamente nas margens de rodovias e nos pátios de empresas compradoras estão infectadas com o fungo, que causa perda de produtividade. “O risco de nascer soja com ferrugem é alto este ano, porque a doença se espalha com o vento. Por isso, é importante destruir essas plantas antes do início do plantio comercial”, alerta Luiz Nery Ribas, gerente técnico da entidade.
O fato é que a preocupação com o menor volume de produção em Mato Grosso entra em cena em um ano marcado por um nível inédito de vendas antecipadas (58,6% da safra já foi comercializada) e preços extraordinários. Os contratos com entrega em março estão sendo fechados a US$ 28 (R$ 57,12) por saca para a soja convencional e US$ 27 (R$ 55,08) para a transgênica. Na mesma época do ano passado, os preços não passavam de US$ 23 (R$ 36,80, considerando que o dólar estava em R$ 1,60) e US$ 22 (R$ 35,20), respectivamente. Os valores estão acima, inclusive, das cotações recordes da oleaginosa na bolsa de Chicago. Ontem, os papéis para novembro (que ocupam a segunda posição de entrega, normalmente a de maior liquidez) fecharam a US$ 17,4750 por bushel, em queda de 20,75 centavos ou 1,16%.
De acordo com a Somar, no Paraná, outro importante produtor de soja, as chuvas devem ter início ainda na segunda quinzena de setembro – portanto, antes de Mato Grosso. No Centro-Oeste, depois de atrasarem, as precipitações devem registrar um volume 20% acima da média entre outubro e dezembro. “Mas o El Niño perderá bastante força no início de 2013 e devemos voltar a ter chuvas menos intensas”, afirma Tatiane.