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Entrevista

"O Brasil necessita de uma Lei de Energias Renováveis"

Entrevista com o presidente da Associação Brasileira de Indústria de Biomassa (ABIB), Celso Marcelo de Oliveira.

"O Brasil necessita de uma Lei de Energias Renováveis"

Durante o evento Florestal & Biomassa – Feira de Máquinas, Equipamentos, Produtos e Serviços, realizado entre os dias 19 e 21 de setembro em Lages (SC), o presidente da Associação Brasileira de Indústria de Biomassa (ABIB), Celso Marcelo de Oliveira, falou com Biomassa & Bioenergia sobre as perspectivas e o aumento do número de empresas do setor. Confira:

Biomassa & Bioenergia – Percebemos eventos destinados ao setor florestal e de biomassa reunindo cada vez mais empresários. Acredita que esse aumento de participantes se deve a uma conscientização sobre os benefícios do uso de energias renováveis?
Celso de Oliveira – Nos últimos cinco anos, já proferi mais de 100 palestras em todo o Brasil. No começo, esses eventos eram freqüentados mais por universitários do que pelo setor empresarial. Hoje estas palestras já são para médios e grandes empresários. Todo mundo vê a biomassa como nova fonte de negócios. A Suzano Celulose entrou nesse negócio pela oportunidade e assim vai acontecendo com outras. Como para os grandes é um novo negócio, para os pequenos também é uma boa iniciativa.
Nesse evento em Lages, que é um pólo madeireiro por exemplo, que está há 200 quilômetros do Porto de Imbituba, que pode ser aproveitado para exportação, e de regiões hoteleiras que utilizam biomassa para sistema de aquecimento, as empresas percebem que podem vir a realizar negócios.

B&B – Qual a participação do setor de biomassa na economia brasileira atualmente?
Celso de Oliveira – Não posso afirmar que o setor de biomassa seja totalmente organizado. Estamos tentando fazer um mapeamento no Brasil, com indústrias de briquetes e pellets, pois se tratando da biomassa, é um setor muito grande, muito difícil. Só em Santa Catarina são 380 empresas que produzem biomassa. Empresas de médio porte. Empresas de pequeno porte, uma indústria que tem um picador residual pequeno por exemplo, é muito difícil de se conseguir as informações. Quando conseguirmos dimensionar o setor em termos de volume, veremos que é muito grande. Nós fizemos um levantamento a partir de resíduos que poderiam ser aproveitados no Brasil, mas isso somente com resíduos legalizados do setor florestal. Temos cerca de 160 milhões de toneladas de resíduos que não são aproveitados. Mas ainda temos o setor industrial, o sucroenergético, o setor agrícola. Então, o volume é muito grande pra ser explorado. Em função disso, é um volume que tende a crescer. Qualquer empresa do ramo florestal é produtora de biomassa.

B&B – Quais são as perspectivas de crescimento do setor?
Celso de Oliveira – O setor vai crescer em função de:
1° ponto – Industrialização. Quanto mais nós tivermos produtos industrializados, melhor vai ser para o setor. Quando se tem um produto industrial, você tem um valor agregado muito grande.
2º ponto – As florestas do mundo, hoje, estão sendo utilizadas ao máximo. No Brasil não. Só exploramos 30% de nossas florestas. Apenas o nosso país, a África do Sul e a Rússia possuem condições de construir mais plantas de produção de pellets e briquetes.
Logo, nossa tendência é, ou nosso setor começa a se desenvolver e a produzir ou as empresas internacionais vão começar a aproveitar nossas riquezas naturais dentro do nosso mercado.

B&B – Você acredita que falta ao Brasil uma organização para exploração dos próprios recursos naturais?
Celso de Oliveira – Para o Brasil, o que falta basicamente é uma coisa simples chamada ‘Lei de Energias Renováveis’. Como funciona em qualquer país europeu, nos Estados Unidos, Canadá, Austrália. Cada um tem a sua legislação definindo como se produz, como tem que produzir e os benefícios de se utilizar produtos renováveis. A partir do momento em que tivermos uma lei nacional que trate esse assunto, o setor vai começar a ter organização e um desenvolvimento maior.

B&B – Acredita que separar o setor de biomassa florestal deve ser separado do Código Florestal?
Celso de Oliveira – O Código Florestal até ajuda a organizar porque se vê, por exemplo, fizemos um trabalho no Estado do Pará e existe a questão da proteção das florestas. Ou a floresta é plantada para fins energéticos ou parte dos seus resíduos é legalizado para aproveitamento. Em função disso, o Código auxiliaria o setor a se organizar um pouco melhor. Não queremos que o Brasil seja um pólo de ilegalidade como acontece em outros. Queremos fazer algo concreto, de uma forma bem edificada porque temos muito resíduo. Temos condição de ter tecnologia, temos condição de ter financiamento e desenvolvimento.

B&B – Organização é a palavra de ordem setor?
Celso de Oliveira – Na matriz energética, hoje a biomassa chega a 8%. Se envolvermos a biomassa com o setor de bagaço de cana, chega a 16%. Nós já temos um potencial muito grande em termos de matrizes energéticas no Brasil. Mas, se compararmos com países como a Suécia que usa 70% da matriz energética de biomassa, ainda é pequeno.

B&B – Qual é a relação do custo de energia proveniente da biomassa e de outros meios, como a hidrelétrica por exemplo?
Celso de Oliveira – Na hidrelétrica, em primeiro lugar, existem vantagens e desvantagens. O custo da energia elétrica é muito alto para se produzir. Segundo que com a construção de hidrelétricas há necessidade de desbastar e reduzir áreas florestais muito grandes. Muitas vezes envolve áreas indígenas, desvio de rios. Foram feitos levantamentos comprovando que podemos produzir o mesmo que Belo Monte com um custo 10 vezes menor através da energia da biomassa. Claro que, a energia hidrelétrica tem potencial maior, na forma rápida de desenvolvimento. Mas os problemas que são gerados grandes. A biomassa não gera nenhum tipo de problema porque ela não é nada mais que aproveitamento.

B&B – Sim, até mesmo porque muitas empresas podem utilizar o resíduo de sua produção para produzir energia.
Celso de Oliveira – Isso mesmo. Eu estive em Rondônia e eles têm um projeto de plantio de árvores porque o Estado foi desgastado com a prática da pecuária e por causa das hidrelétricas, que acabaram com os pontos de floresta amazônica. Hoje eles estão percebendo que plantar florestas energéticas, além de melhorar a condição do Estado, gera novos empregos e negócios.

B&B – Vários Estados estão destinando verbas para o crescimento da indústria da madeira. Por que acredita que isso está acontecendo?
Celso de Oliveira – O mercado brasileiro começou a discutir recentemente sobre a energia de biomassa. Biomassa, na verdade, se você olhar desde a interpretação do nosso governo, deduzem que é bagaço de cana. Nós sempre discutimos e estamos levando essa afirmação ao governo federal, que biomassa é toda a parte de resíduos não aproveitados. Que pode ser bagaço de cana, mas também outros resíduos agrícolas, resíduos florestais, que podem ser transformados em novos negócios. Por isso, diversos Estados estão percebendo que biomassa é uma questão de cultura, é uma questão de negócio do futuro. Veja só, a energia eólica é muito cara. Necessita um investimento muito alto. Para as energias fotovoltaicas, o Brasil não tem tecnologia. Não tem nem como fazer os financiamentos. E a biomassa é uma coisa mais simples de se aproveitar. Com o crescimento desse setor, com a construção de um “bioparque” florestal, aproveitar para a cogeração, para produtos renováveis, é o que o Brasil pode fazer.
Então os governos estão percebendo esse assunto e começando a destinar, não somente verbas, mas incentivo às empresas. Já existem cidades que estão abrindo leis que dão uma série de benefícios fiscais para empresas se instalarem no município. Até empresas de equipamentos, que apostam em evolução. Uma coisa que, se também acontece aqui em Lages (SC), que é um pólo madeireiro muito forte, é uma ótima oportunidade para se desenvolver negócios.

B&B – Como acredita que o setor possa prosperar ainda mais?
Celso de Oliveira – Não podemos nos basear apenas em financiamentos do BNDES e de outros bancos para o desenvolvimento do setor. Nós vemos o aproveitamento, que é uma questão de sustentabilidade, aproveitamento de produção e de uso. Porque a empresa sabe o que vai fazer com a biomassa, quem vai comprar a biomassa, ela vai investir e desenvolver o seu todo. Agora, se não conhecer o mercado, é muito difícil. Estamos trabalhando para divulgar a exportação. Se você produzir pellets, qualquer lugar da Europa é mercado para se exportar. Se você produzir briquetes, você pode vender para a Alemanha, para a Inglaterra.
O mercado brasileiro começou a ver que os grandes frigoríficos já estão usando briquetes, por exemplo. Ou seja, precisa de produção. Empresas como Natura, Rhodia e AmBev já estão utilizando energias renováveis não apenas pelo status de investir em sustentabilidade, mas porque gera energia e poder calorífero de forma muito mais eficaz. Com a biomassa disponível no Brasil, podemos aproveitar muito mais.

B&B – Existe um país que o Brasil possa tomar como exemplo para produção de energia a partir da biomassa?
Celso de Oliveira – De biomassa florestal, os países mais desenvolvidos são o Canadá e a Áustria. Biomassa em termos de aproveitamento de resíduos, a Suécia é muito bem desenvolvida e algumas partes da Itália, que trabalha com produtos agrícolas. Os Estados Unidos exploram 69% de suas florestas, chega a quase 70% de uma exploração sustentável. O Brasil só consegue explorar 35%, então nós temos muito a nos espelhar e muito a nos desenvolver. Estamos começando esse mercado. Biomassa industrial, na verdade, existe há 80 anos e no Brasil está começando a aparecer nos últimos cinco.

B&B – O Brasil ainda está engatinhando nesse setor. O que estava faltando?
Celso de Oliveira – Conhecimento, tecnologia e falta de conhecimento de mercado. Esse último item é uma pergunta que as empresas ainda fazem. O que vou fazer com esse produto? Ninguém sabe. Nosso papel, como associação, é divulgar e mostrar o mercado nacional e internacional. Estes produtos, além de reduzirem a emissão de CO2, são rentáveis. A partir do momento em que as pessoas tiverem mais conhecimento e souberem como aproveitar, as coisas serão diferentes.

B&B – Qual é o papel da Associação na orientação para as empresas?
Celso de Oliveira – Nosso papel é a divulgação. Nosso principal objetivo é mostrar através de palestras, grupos, vídeos, eventos, jornais e revistas tudo que é possível sobre o setor de energias renováveis a partir de biomassa. Não só para dentro do setor, mas para que todas as empresas saibam da importância do aproveitamento de resíduos de matéria prima para a geração de novos negócios. Na Inglaterra, 900 mil pessoas são envolvidas com biomassa, são gerados 400 mil empregos por ano com a biomassa. Cada 1 milhão de tonelada de biomassa gera 100 mil empregos. No Brasil, geraríamos empregos em diversos Estados e em segmentos variados.