A indústria de trigo do Brasil, uma das principais importadoras globais da commodity, enfrentará no próximo ano uma escassez na oferta no Mercosul, que a obrigará a buscar o cereal no hemisfério norte em grandes volumes, e também verá custos crescentes que deverão chegar aos bolsos dos consumidores.
Além da quebra de safra e da qualidade menor da produção do Brasil, parceiros comerciais como a Argentina, que fornece cerca de 80 por cento do que o país compra, também sofreram problemas em suas colheitas, disse à Reuters Lawrence Pih, um dos principais empresários do setor e integrante do conselho da associação da indústria brasileira (Abitrigo).
Não bastasse a quebra de safra no Mercosul, os moinhos ainda terão custos maiores de importações em função do dólar mais forte frente ao real. A moeda norte-americana oscilou recentemente perto do maior patamar em mais de três anos.
Somando-se à questão cambial, há outro fator desfavorável em vista: muitas importações no próximo ano serão feitas de países fora do Mercosul, e os moinhos com isso terão que arcar com tarifas que não pagam ao importar dos vizinhos, uma vez que dentro do bloco comercial sul-americano há isenção.
“Estou vendo um cenário bastante difícil para os moinhos. Estou no ramo há 47 anos, e esse é um dos anos mais difíceis em termos de suprimento de matéria-prima”, afirmou nesta terça-feira Pih, presidente do Moinho Pacífico, um dos maiores grupos do país.
O Brasil está terminando de colher uma safra estimada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em 4,4 milhões de toneladas, ante 5,7 milhões de toneladas na anterior.
Com uma produção menor, a estatal estima uma importação na temporada 2012/13 (agosto/julho) em 7 milhões de toneladas, alta de 1 milhão de toneladas ante a safra anterior, e um dos maiores volumes desde a temporada 2006/07, quando as compras externas bateram em 7,8 milhões de toneladas.
O problema é que pelo menos 1 milhão de toneladas virão de fora do Mercosul, com uma tarifa de importação de 10 por cento incidente sobre o trigo e o frete, além de taxa de Marinha Mercante.
O volume a ser comprado no hemisfério norte, especialmente nos Estados Unidos e Canadá, que têm tradição de complementar a oferta do Mercosul, dependerá de quanto a Argentina vender para outros destinos que não o Brasil.
“Vamos buscar trigo fora do Mercosul, só não sabemos quando e quanto, depende de quanto o Paraguai e Argentina exportarão para fora do Mercosul. Se eles continuarem a exportar bastante, com certeza vamos importar mais”, afirmou o executivo, observando que o número pode ficar entre 1 milhão e 2,5 milhões de toneladas.
O empresário observou que a situação no Paraguai é um pouco melhor do que nos demais países integrantes do Mercosul, mas salientou que a logística para o escoamento para a região Sudeste não é favorável para a formação de custos.
No caso do Uruguai, que tem fornecido parte do produto importado pelo Brasil nos últimos anos, o trigo sofreu os mesmos problemas climáticos que o Rio Grande do Sul, incluindo chuvas excessivas perto da colheita.
Preços maiores – Os efeitos da quebra de safra no Brasil e na Argentina, que deverá ter uma baixa de cerca de 25 por cento na produção ante o ano passado, já são sentidos pela indústria brasileira, que está tendo maiores custos.
“Estamos com patamar de preço (da matéria-prima) bem mais alto do que seis meses atrás, em torno de 40 por cento”, afirmou Lawrence Pih. Considerando o efeito do câmbio, o aumento de custos em reais no período foi de 60 por cento.
Segundo ele, o percentual se refere a uma média do setor. Mas na pior situação de mercado houve negócios com alta de cerca de 90 por cento nos custos, considerando os preços e o efeito da taxa cambial.
Há cerca de seis meses, o trigo foi comprado a 370 reais por tonelada na Argentina e há algum tempo, com um câmbio desfavorável e preços maiores, houve negócios a aproximadamente 720 reais, observou o presidente do Moinho Pacífico, cuja unidade de produção está em Santos, com capacidade de processamento 2.500 toneladas ao dia de trigo, considerada por ele como a maior da América Latina –no local ainda há silos com capacidade gigantesca de armazenagem, de 205 mil toneladas.
Esse aumento de custos já está sendo repassado para os preços da farinha, disse o industrial.
Em média, o setor já repassou 17 por cento, no período de seis meses, e vai precisar aumentar “no mínimo” mais 15 por cento até março. Quem tiver a necessidade de comprar trigo sem isenção de impostos, fora do Mercosul, muito provavelmente terá de repassar uma alta subsequente de 10 por cento, disse Pih.
Apesar do aumento do custo do setor, Pih disse que está relativamente tranquilo em termos do abastecimento para o seu moinho. “Estou comprado até fevereiro. Dá pra moer até março”, ressaltou.