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Economia

Brasil contra a crise

Celso Furtado inspira Dilma em saídas para a crise. Dois discursos sucessivos evocam autodeterminação do desenvolvimento nacional.

Face aos desdobramentos da crise financeira global, a presidente Dilma Rousseff decidiu revisitar a obra do economista Celso Furtado. Quem é próximo à presidente diz: a escolha não foi por acaso. Servem de inspiração a Dilma passagens da obra do economista paraibano segundo as quais o Brasil tem capacidade de construir seu próprio futuro e o Estado deve ser responsável pelo planejamento de longo prazo do país e ter um papel transformador junto à sociedade.

Nos últimos dias, Dilma citou Celso Furtado no anúncio de duas ações consideradas estratégicas pelo governo, a nova política industrial e o programa de financiamento de bolsas de estudos para brasileiros no exterior. “Ela que pediu a inclusão da citação do Celso Furtado”, comentou um auxiliar da presidente.

A primeira referência deu-se no dia 26 de julho, quando o governo lançou o programa Brasil Sem Fronteiras, que prevê uma parceria entre o governo e o empresariado com o objetivo de oferecer 100 mil bolsas de estudos. A medida, voltada principalmente à área de exatas, tem como objetivo incentivar a inovação e o desenvolvimento da ciência e tecnologia no país.

“O Brasil hoje tem, nesse programa, um dos construtores do seu futuro”, discursou Dilma na ocasião. “Gostaria de encerrar com uma frase do Celso Furtado, para quem ‘o futuro deve ser uma fronteira aberta à invenção do homem'”, emendou Dilma.

Poucos dias depois, em 2 de agosto, Dilma lançou o Brasil Maior. A nova política industrial do governo incluiu incentivos fiscais à indústria e às exportações e medidas de proteção ao mercado nacional. A divulgação do pacote foi um novo gancho para Dilma referir-se à obra de Celso Furtado.

“A nossa economia já não é comandada de fora, de fora para dentro, obrigando-nos a seguir, perplexos e impotentes, os zigue-zagues do destino de um povo dependente”, citou a presidente. “Temos, em nossas mãos, os instrumentos de autodeterminação que até há pouco eram apanágio de uns quantos povos privilegiados. Estamos em face de um desafio cuja grandeza só é percebida por aqueles que têm intuição das potencialidades deste imenso país. De fato, nós somos senhores do nosso próprio destino.”

Segundo fontes do governo, a cerimônia de lançamento da nova política industrial foi formatada para ser um evento em que Dilma pudesse convocar o empresariado a unir esforços em favor do desenvolvimento do país e no combate à crise. Explicou um ministro: “Trata-se da questão do fortalecimento do mercado interno e da industrialização, que está presente na obra do Celso Furtado.”

Em recentes declarações públicas e conversas a portas fechadas, Dilma tem dito que o Brasil não está imune à crise financeira global, mas detém melhores condições de enfrentá-la do que tinha em 2008. A presidente destaca a importância da demanda interna na manutenção da atividade econômica, e assegura que o governo tomará as medidas necessárias para proteger a indústria das importações que chegarem ao país a preços desleais. Dilma lembra que o governo tem instrumentos para influenciar a oferta de crédito, como os recursos do compulsório, e conta com reservas internacionais suficientes para enfrentar turbulências internacionais. A presidente promete ainda conter os gastos públicos, mas descarta a adoção de medidas recessivas.

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos interlocutores de Dilma na área econômica, as ações do governo federal dialogam com alguns dos fundamentos da obra de Celso Furtado, como a industrialização e a “internalização” do processo decisório sobre os rumos do país. “É a capacidade do país de se erguer sobre os próprios pés”, anotou o professor, que recentemente esteve no Palácio do Planalto conversando com a presidente.

Belluzzo apontou também a importância que Furtado deu ao progresso técnico como elemento fundamental ao desenvolvimento de uma economia capitalista, tema que serve de pano de fundo da elaboração do programa Brasil Sem Fronteiras.

“Ele [Furtado] tinha essa visão da construção da nação pelo esforço conjunto da sociedade e do Estado”, comentou o professor, antes de lembrar dos recentes distúrbios ocorridos em cidades europeias, como Londres. “Os economistas em geral não estão vendo que o que está acontecendo não é só uma crise econômica. É uma crise social que está se manifestando de forma clara.”

Em seus textos, o autor do clássico “Formação Econômica do Brasil” sustentava, por exemplo, que o desenvolvimento deveria amparar-se no fortalecimento das forças produtivas locais e do mercado doméstico. Estudioso da evolução da economia brasileira e dos processos que causaram as desigualdades regionais do país, Furtado capitaneou em 1959 a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) no governo de Juscelino Kubitschek. Foi também ministro do Planejamento e da Cultura nos governos de João Goulart e José Sarney, respectivamente. Furtado morreu em 2004.