Os efeitos do desmatamento na nova fronteira agrícola do Cerrado – formada pelo Maranhão, Tocantins, Piauí e pela Bahia – são menos conhecidos e estudados pela ciência do que em outras áreas do bioma. Os quatro estados formam a parte norte do Cerrado, batizada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) como Matopiba.
O Laboratório de Ecologia e de Ecossistemas da Universidade de Brasília (UnB) está fazendo um levantamento sobre os artigos científicos que tratam do estoque e fluxo de carbono, e também de nitrogênio e fósforo – elementos químicos importantes para a incorporação de carbono na vegetação. Das 105 localidades estudadas, apenas três estão no Matopiba; 54 em outras áreas do Cerrado; 20 na Amazônia; 13 nos Pampas; 12 na Mata Atlântica; e quatro na Caatinga.
O dado é preliminar e diz respeito a 91 artigos científicos levantados até agora, mas indica que há menos conhecimento sobre os efeitos da degradação ambiental na região que, segundo o Ministério da Agricultura (Projeções do Agronegócio 2010/11-2020/2021), deverá assistir nesta década a um avanço na produção de algodão, frango, carne bovina e soja, além de celulose e papel.
O motivo da atração pelo Matopiba é o preço das terras, mais baratas do que, por exemplo, áreas do Mato Grosso e de Goiás, onde já há intensa atividade agropecuária.
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia foram responsáveis por 65% do desmatamento do Cerrado verificado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) entre 2009 e 2010, o equivalente a 4,2 mil quilômetros quadrados (km²). O bioma é um dos mais ameaçados do país. Em 2010, já havia perdido 48,5% da cobertura original – cerca de 1 milhão de km². O desmatamento é a principal causa de emissão de CO2 (dióxido de carbono) no Brasil, que provoca a diminuição da camada de ozônio e as mudanças climáticas.
De acordo com a coordenadora-geral de Gestão e Ecossistemas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Mercedes Bustamante, também professora do Departamento de Ecologia da UnB, a exploração do Cerrado ao Norte poderia ser diferente da que se fez na parte ao Sul, mas por enquanto não há uma “cesta de incentivos positivos” para evitar o desmatamento incontrolado, como a dedução de encargos, os incentivos tecnológicos para o aumento de produtividade e o pagamento de serviços ambientais.
O poder público, segundo a coordenadora, tem menos recursos para proteger o Cerrado (como unidades de conservação e extensas áreas de preservação obrigatória) do que para a Amazônia. Na região, com muitas propriedades privadas rurais, é preciso dialogar com o agronegócio. “Se não trouxer o setor produtivo, como vamos racionalizar o uso das águas?”, pergunta.
O pesquisador do Laboratório de Ecologia de Ecossistemas da UnB, Alexandre de Siqueira Pinto, explica que a destruição da vegetação no Cerrado é fundamental para o regime de chuvas e mesmo uma área não degradada pode sentir os efeitos da destruição. Ele lembra que o desmatamento diminui a capacidade de absorção da água pelas plantas, o que reduz a evaporação, afetando o ciclo hidrológico e a capacidade de absorção de carbono. “O carbono não existe independentemente de outros fatores”, salienta.
A pesquisa sobre o Cerrado envolve cerca de 15 pesquisadores da UnB, da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade de New Hampishire (Estados Unidos) e faz parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas – uma rede com mais de 90 grupos de pesquisa de 65 instituições e de universidades brasileiras e estrangeiras, com mais de 400 participantes.