A indefinição sobre a nova estrutura da Bunge Brasil mantém em alerta uma cidade de 50 mil habitantes no Vale do Itajaí catarinense. Gaspar, sede da divisão de alimentos da multinacional no país, pode perder arrecadação, empregos e prestígio no organograma que ainda está sendo desenhado pela holding, que foi fortalecida em sua atuação executiva.
Especulação ou não, a possível retirada da Bunge já demandou articulações do governo de Santa Catarina, que acena com um novo pacote de incentivos fiscais para evitar um eventual esvaziamento das operações do grupo no Estado, e da prefeitura do município, que se reuniu na terça-feira com o presidente da companhia, Pedro Parente, na capital de São Paulo.
A Bunge Brasil trata de colocar panos quentes e dizer que “nada ainda foi definido”. “Há muita especulação desprovida de fundamentos”, afirma o diretor de comunicação e sustentabilidade da múlti no país, Adalgiso Telles. De acordo com ele, a partir do fortalecimento da holding Bunge Brasil e da maior integração entre as divisões Alimentos e Fertilizantes, já foram definidos cargos estratégicos como presidência, vice-presidência e diretores para as cinco unidades de negócios: alimentos, fertilizantes, agronegócios, açúcar e bioenergia e América Latina e Caribe estão na lista.
Em Gaspar, entretanto, o clima de incerteza é semelhante ao que se criou quando houve a fusão entre a Santista Alimentos e a Ceval Alimentos, que tinha sede na região, para a formação da Bunge Alimentos, em setembro de 2000. O temor pela perda de empregos e de riqueza para a região sentido há dez anos se repete agora – e com a mesma protagonista.
Telles não confirma, mas na cidade o comentário é que as áreas de contabilidade e financeira e fiscal já estariam em processo de transição para São Paulo. “Ainda não definimos as sedes administrativas das nossas áreas de negócios. Quando isso for definido, vamos saber qual a equipe que precisamos para dar apoio às nossas operações”, afirma ele.
Sobre demissões, o diretor diz que “reduzir o quadro não é nosso objetivo”. Com a integração de Bunge Alimentos e Bunge Fertilizantes, as duas empresas, que antes tinham 8 mil funcionários passaram a compor uma organização de 16 mil pessoas. “Queremos aumentar a nossa eficiência, e é provável que possam acontecer alguns cortes”. Sem estender o suspense, estas mudanças devem ser implementadas até o fim do semestre. “Sabemos a ansiedade que situações desse tipo causam.”
A Bunge – com cerca de 500 trabalhadores na administração e 160 na produção de óleos, margarinas e gorduras – não é a maior empregadora de Gaspar. Perde para a indústria de fios e lãs Círculo, com cerca de mil funcionários. Mas está entre as três principais contribuintes da cidade. Em 2009, colaborou com 7,07% dos repasses de ICMS, que triplicaram em relação a 2008, conforme o secretário de Administração e Finanças de Gaspar, Evandro Assis Muller.
Para o secretário, se houver uma retirada da Bunge da cidade, a perda de arrecadação não será tão grande quanto a perda social. Apesar dos valores, Muller sustenta que a Bunge é importante para a geração de riqueza, já que produz óleos e margarinas na cidade, além de trabalhar com os grãos.
“A mudança vai ter grande impacto social. Vai dificultar a acessibilidade à empresa com a transferência da presidência para fora da cidade”, sustenta Samir Buhatem, presidente da Associação Comercial e Industrial de Gaspar. Para ele, a relação social da Bunge com Gaspar se intensificava também pelo fato de o ex-presidente da Bunge Alimentos, Sérgio Waldrich, ter nascido em Blumenau, vizinha a Gaspar, e filho de gasparenses.
Longe de preocupar apenas as autoridades locais, o futuro da Bunge em Gaspar é pauta também no governo do Estado. O governador Leonel Pavan (PSDB) já tratou o assunto diretamente com o presidente Pedro Parente. “Ele me assegurou que não vai tomar nenhuma decisão antes de ouvir o que temos a oferecer”. O governador já acionou a equipe da Secretaria da Fazenda para levantar possíveis fórmulas para incentivar a Bunge a manter as operações do Estado.
O principal incentivo que o governo catarinense concede hoje à Bunge é por meio do Compex, que deve vencer em julho. A Fazenda já analisa – em regime de prioridade, a pedido do governador – uma forma de renovar o acordo. A ideia é enquadrar a operação da Bunge em Gaspar Pró-Emprego. Criado em 2007 para viabilizar a instalação de empreendimentos geradores de emprego e renda no Estado, o programa incide sobre o ICMS, com adiamento do pagamento em até 24 vezes e redução de alíquotas para importação de máquinas e na venda após a produção.
Telles admite que a proposta do governo pode pesar na hora de desenhar o futuro da empresa em Santa Catarina. “Ainda não recebemos nenhuma proposta formal, mas toda e qualquer medida de incentivo é bem-vinda. Trabalhamos com commodities e toda redução de impostos é sempre muito bem considerada”.
Uma relação que vai além de receitas e empregos
A relação da Bunge Alimentos com Gaspar vai além da geração de empregos e receita para o município. Desde que se instalou na cidade, a empresa vem estabelecendo trabalhos de responsabilidade social e ambiental por meio da Fundação Bunge. Entre os principais projetos está a construção de um centro de divulgação ambiental e lazer, em 2005, com investimento de R$ 3,5 milhões. O centro é usado para atividades de educação e atende mais de 2,2 mil alunos por ano.
Há também um programa de recuperação da mata ciliar do rio Itajaí-Açu, em parceria com a Universidade Regional de Blumenau (FURB), implantado em 2005. Já foram recuperados mais de 300 mil metros quadrados de área desde que o acordo foi firmado. Em 2009, o projeto foi renovado por mais quatro anos.
Um dos programas que geram mais expectativa no município neste momento é a reconstrução do bairro Sertão Verde. Depois que o Vale do Itajaí foi massacrado pelas enchentes de outubro de 2008, a Bunge foi parceira da prefeitura para a elaboração do projeto que contempla a reconstrução de uma escola destruída e de um bairro com sistema eco-sustentável de recolhimento de água das chuvas e uso de energia solar.
Batizado de “Projeto Conhecer para Sustentar: Vale do Itajaí”, a obra aguarda recursos do PAC habitacional para sair do papel.
“A empresa criou uma identidade com a cidade. É nossa parceira em projetos nas áreas de esporte, habitação e saúde”, diz o prefeito de Gaspar, Pedro Celso Zuchi (PT). Otimista, o prefeito acredita que a saída da empresa não será definitiva do município.
O diretor de Comunicação e Sustentabilidade da Bunge Brasil, Adalgiso Telles, diz que todos os projetos da Fundação Bunge em Gaspar estão mantidos, independentemente do novo organograma das empresas. “Somos fiéis à nossa política de sustentabilidade, baseada no tripé desempenho econômico, desenvolvimento social e responsabilidade ambiental”, enfatiza o diretor.
Terceira maior exportadora do país, e líder no ranking das empresas do agronegócio, a Bunge, que tem sua sede em White Plains, Nova York, faturou quase R$ 32 bilhões no Brasil em 2008 – o balança de 2009 não foi fechado.