Dez anos depois do Brasil, mas com uma área plantada 13% menor do que o concorrente tinha na época, a Argentina alimenta o sonho de finalmente cruzar a barreira das 100 milhões de toneladas de grãos nesta safra 2010/11.
Para o Ministério da Agricultura, a produção deverá crescer 10% e alcançar 103 milhões de toneladas, com aumento sobretudo de milho e trigo. Mais cautelosos, analistas do setor privado condicionam o novo recorde à baixa intensidade do fenômeno La Niña. Mas todos coincidem que o caixa do governo engordará, em pleno ano de eleições presidenciais na Argentina, graças aos elevados preços das commodities. As retenções, impostos sobre as exportações, chegam a 35% no caso da soja.
A nova safra também permitirá ao país consolidar a recuperação de sua agricultura, iniciada no ciclo 2009/10, após dois anos difíceis. Em 2007/08, diante da frustrada tentativa oficial de elevar o valor das retenções, houve locaute do campo e produtores chegaram a fazer bloqueios para evitar o escoamento dos grãos de quem não tinha aderido ao boicote. A safra seguinte foi afetada pela mais severa estiagem em 75 anos.
Por enquanto, as estimativas da Sociedade Rural Argentina (SRA) aponta 98 milhões de toneladas de cereais e oleaginosas. “Quando estamos nesse patamar, chegar ou não às 100 milhões de toneladas depende das condições climáticas, é algo que está na margem de erro”, afirmou ao Valor o diretor do Instituto de Estudos Econômicos da entidade, Ernesto Ambrosetti.
Para o economista-chefe da consultoria Orlando Ferreres e Associados, Fausto Spotorno, as projeções do governo são otimistas. “Há dois cenários: com um clima bom, a safra pode crescer de 3% a 4%; se tivermos La Niña intensa, pode cair de 3% a 4%. Portanto, é possível trabalhar com a média e ater-nos a uma previsão de relativa estabilidade, em torno de 94 ou 95 milhões de toneladas.”
O certo é que a cotação internacional da soja, ainda alta apesar da forte queda de ontem na bolsa de Chicago, garante cofres cheios para o governo. O projeto de orçamento para 2011 prevê arrecadação de 52 bilhões de pesos (US$ 13 bilhões) com as retenções de todos os cultivos. Spotorno estima algo perto de 46 bilhões de pesos, mesmo assim um valor 14% superior ao deste ano.
Em meio à expectativa de alcançar as tão sonhadas 100 milhões de toneladas, os ânimos estão divididos. O presidente da fabricante de máquinas agrícolas Apache, Carlos Castellani, disse que as boas cotações e o resultado da última colheita fizeram o produtor apostar na próxima safra. As vendas de plantadeiras, segundo ele, cresceram 15% na comparação com o ano passado.
Uma das novidades que mais têm ajudado a Apache foi a recente criação de uma linha de crédito em pesos do Banco de la Nación para máquinas agrícolas. Geralmente, os financiamentos são feitos em dólares. Essa linha parcela as vendas em cinco anos, a uma taxa anual de 8%. Os juros originais são de 14%, mas o Ministério da Agricultura absorve quatro pontos percentuais e o fabricante fica com outros dois.
Já a SRA diz que não há nada para comemorar. Sabendo que é nula a possibilidade de extinguir em 2011 com as retenções, principal reivindicação do campo, a entidade reforça o lobby a favor de medidas que possam atenuar a situação. “Estamos pedindo a eliminação de todas as travas às exportações”, disse Ambrosetti. Ele ressaltou ainda que iniciativas recentes para a desoneração de pequenos produtores não prosperaram. “Nos últimos três anos, anunciaram-se diversos programas de reembolsos das retenções que nunca saíram do papel”, acrescentou.
Dos mais de 6 mil pedidos de devolução das retenções a quem produz até 800 toneladas de trigo, por exemplo, o governo ressarciu apenas 100 produtores até agora. Por outro lado, a pré-autorização para as exportações de milho ficou aquém do que pretendiam os produtores. Apesar do saldo exportável de 18 milhões de toneladas na próxima safra, o governo liberou previamente o embarque de 5 milhões, pensando em garantir o abastecimento doméstico. O problema mais imediato é que essa política deprime os preços de comercialização.
Apesar dos entraves, milho e trigo são os cultivos de maior avanço em 2010/11, com aumentos de 16% e 66% da produção, respectivamente. A soja mantém os 19 milhões de hectares de área plantada da safra passada, mas ninguém espera que se repita a colheita recorde de 54,5 milhões de toneladas, obtida graças a condições climáticas favoráveis. Desta vez, não será fácil chegar às 52 milhões de toneladas, a atual previsão oficial. Segundo a Bolsa de Comércio de Rosário, a fraqueza das chuvas e a alternância entre temperaturas muito altas e muito baixas para a primavera tem atrasado o plantio. E a entidade já advertiu que aumentam a presença de pragas e os problemas emergenciais no cultivo.
Para a Sociedade Rural, as mudanças na composição da nova safra são circunstanciais e se justificam pela recuperação nos cultivos de milho e trigo, mas estão longe de reverter o fenômeno da “sojização” do país. Nas últimas cinco safras, somente em uma a soja representou menos de 50% da produção agrícola total. “Os produtores seguem confiando na soja como o único cultivo que não sofre interferências do governo”, disse Ambrosetti. Apesar das retenções, não há controles de preços nem barreiras às exportações.