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Economia

O ministro Guido tem razão

Estabelecimento da taxa de câmbio não poderia ser deixada às "livres forças do mercado". Leia artigo de Delfim Netto.

Os realmente “grandes” economistas, que viveram os descontroles cambiais que antecederam a Segunda Guerra Mundial (como Keynes e Nurkse, por exemplo) sabiam que o estabelecimento da taxa de câmbio não poderia ser deixada às “livres forças do mercado”, porque – na presença de plena liberdade para o movimento de capitais – ela estaria sujeita a toda sorte de incontroláveis movimentos à procura de arbitragem. Foi isso que levou o acordo de Bretton Woods, que criou o Fundo Monetário Internacional, a estabelecer um regime de taxas de câmbio fixas, mas reajustáveis sob seu controle e sem exigir a livre conversibilidade.

Seus construtores sabiam, pela experiência vivida, o desastre a que levou a desvalorização competitiva nos anos 30 do século passado. No desespero, cada país procurava desvalorizar sua moeda para aumentar sua exportação e “roubar emprego dos seus parceiros”. Os gráficos abaixo mostram o comportamento da taxa de câmbio do Reino Unido em 1931 (no padrão-ouro, libra/onça de ouro) e dos EUA em 1933, (no padrão-ouro, dólar/onça de ouro) e seus efeitos sobre a produção industrial (recuperação do emprego). A França entrou atrasada no mesmo jogo, em 1936.

Os gráficos revelam que aparentemente elas produziram efeitos internos. O preço externo, entretanto, foi uma redução dramática do comércio internacional, causa eficiente do aprofundamento da crise dos anos 30 do século passado, a maior que o capitalismo já viveu. Ela colocou em risco o sistema político apoiado na democracia, com a emergência da crença no planejamento centralizado. Uma das prováveis heranças da crise foi o nazismo na Alemanha, cujo custo social para a humanidade foi incalculável.

Quando assistimos, numa mesma semana, países tão distantes como Suíça, Japão, Coreia do Sul, Índia, Malásia, Taiwan, Filipinas, Cingapura e Brasil procurarem defender-se da tremenda desvalorização competitiva do dólar e do yuan (umbilicalmente ligado àquele), não podemos deixar de concordar e apoiar o ministro Guido Mantega, que denunciou, claramente, a existência de uma “guerra cambial”. Declaração, aliás, apoiada pelo ministro Meirelles, que ao reconhecer que o real está em seu maior valor (R$ 1,65), afirmou em Washington (8/10) que “tomaremos todas as medidas para proteger a economia brasileira dos desequilíbrios causados pelo fluxo exagerado de capitais, gerado pelo excesso de liquidez nos países desenvolvidos”.

Foi uma resposta clara ao diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, que deu a entender que o aumento da representação dos emergentes (inclusive a China) no FMI, depende deles assumirem responsabilidades para o equilíbrio global. Disse ele, cruamente, que “se você quer estar no centro do sistema, terá que ter mais responsabilidades sobre como as suas ações afetam a economia global”, mas não teve a coragem de mencioná-la!

É mais do que evidente que com a deterioração do sistema de Bretton Woods (que funcionou razoavelmente bem durante os “30 anos gloriosos”), iniciada com a dramática desvalorização do dólar nos anos 70 do século passado e com a imposição – pelo sistema financeiro internacional – da liberdade de ação que havia produzido a crise dos anos 30, o mundo exige um novo acordo global sobre as taxas cambiais e o movimento de capitais. Dos anos 30 aos 70, o setor financeiro esteve, como sempre deve estar, a serviço do setor financeiro. Com a liberdade de movimento de capitais e as suas “inovações”, ele colonizou o setor real da economia e levou o mundo à beira da catástrofe. É hora de terminar com isso.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP