Diante do exacerbado pessimismo que dominava os mercados globais no fim do ano passado e turvava todo e qualquer cenário traçado em meio a uma enxurrada de notícias econômico-financeiras adversas em múltiplas frentes, pode-se afirmar que o primeiro trimestre de 2009 foi bem melhor do que se esperava para a cadeia produtiva de grãos no país.
Apesar da turbulência, preços internacionais e domésticos oscilaram em patamares atraentes, ao mesmo tempo em que o câmbio manteve-se a contento dos exportadores e o clima, desfavorável a lavouras do Sul e de Mato Grosso do Sul em dezembro e janeiro, refrescou em fevereiro e março e garantiu uma colheita mais robusta do que se supunha antes do Carnaval.
Nada que motive confetes e serpentinas no campo, onde cooperativas e tradings acusaram o estrangulamento do crédito e o desemprego subiu a níveis alarmantes no início do ano. Mas o suficiente para garantir melhores margens na comercialização da safra 2008/09, já em fase final de colheita, e fomentar melhores estimativas para a temporada 2009/10, cujo plantio começará a ganhar corpo no terceiro trimestre.
“O setor agrícola deve ter um ano satisfatório, sobretudo se compararmos a situação atual com o quadro de horror pintado no fim de 2008”, afirma Fabio Silveira, da RC Consultores. “De um modo geral, a safra [de grãos] 2008/09 está sendo remuneradora, o que fortalece, mas não garante, a expectativa de que a próxima temporada seja boa”, diz Alexandre Mendonça de Barros, do braço agrícola da MB Associados e do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para a produção total de grãos em 2008/09, as projeções oficiais começaram a sinalizar, em março, que a estiagem que castigou plantações nos meses anteriores deixou sequelas menos graves do que as esperadas em janeiro. Em fevereiro, relatório da Conab apontava para uma colheita total de 134,7 milhões de toneladas, 6,5% abaixo de 2007/08 (144,1 milhões), e o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, admitia que a quebra poderia ser maior. Em abril, o volume previsto foi de 137,6 milhões de toneladas, reduzindo a queda para 4,5%.
Castigada por uma seca mais grave e generalizada, a Argentina não teve a mesma sorte e deverá lamentar perdas profundas nas produções de soja, milho e trigo, com reflexos no mercado internacional que, nos casos de soja e milho, favoreceram o Brasil – que, como o vizinho, exporta os dois produtos.
Esta “ajuda” argentina, a alta das importações chinesas e o fato de essas commodities de maior liquidez terem voltado a atrair grandes fundos de investimentos temerosos de repiques inflacionários decorrentes da expansão da base monetária promovida pelos socorros financeiros anunciados por diversos países, especialmente os EUA, ofereceram suporte aos preços internacionais e, por conseguinte, domésticos.
Referência global para os preços dos grãos, a bolsa de Chicago, também influenciada pelas previsões de plantio americano em 2009/10, encerrou março com cotações de soja, milho e trigo melhores que em fevereiro e ainda bem acima de suas médias históricas, mesmo que em níveis quase 40% inferiores às máximas históricas de meados de 2008 – antes do aprofundamento da crise global, em setembro.
A redução da quebra da safra, os preços e o câmbio relativamente estável entre R$ 2,20 a R$ 2,40 levaram a ajustes nas previsões de receita agrícola (“da porteira para dentro”) em 2009. O Ministério da Agricultura, que no início de fevereiro previa R$ 42,9 bilhões para a soja, carro-chefe da produção nacional de grãos, elevou a previsão para R$ 43,9 bilhões em abril, já acima de 2008 (R$ 43,4 bilhões). A projeção para o milho também subiu e chegou a R$ 17,9 bilhões, ainda 24,6% abaixo do ano passado.
Em movimento semelhante, a RC Consultores agora prevê receita de R$ 83,6 bilhões para os grãos em 2009, ainda menos que em 2008 (R$ 89,9 bilhões) mas com a diferença igualmente reduzida. Tanto nos cálculos iniciais quanto no de consultorias especializadas, destacam-se estimativas de aumento de safra e renda de arroz, produto que no Brasil sofre pouca interferência de oscilações internacionais e, assim, sinaliza demanda doméstica firme, o que não deixa de ser um bom sinal também para as demais culturas.
Claudicantes no primeiro bimestre mas empurradas pela retomada das importações chinesas, os embarques de soja saltaram em março para US$ 1,4 bilhão, quase 41% mais que no mesmo mês do ano passado, e voltaram a liderar as exportações do agronegócio brasileiro em março, novamente superando as vendas de carnes ao exterior. Os embarques de milho perderam força em março, mas tiveram um primeiro trimestre aquecido e têm boas perspectivas para os próximos meses, muito por conta da queda da oferta argentina.
Ainda que o trigo tenha acompanhado a tendência internacional e ficado mais caro, prejudicando o Brasil – um dos maiores importadores do mundo -, o saldo da conjunção é considerado positivo. As margens de produção desses grãos, por exemplo, aumentou, o que poderá ajudar os produtores no próximo plantio.
“Temos uma safra [de grãos] 2008/09 quase tão lucrativa quanto a anterior”, afirma André Pessôa, da Agroconsult. Levando em consideração a escalada das vendas desta safra e os preços praticados em cada momento – e projetando as vendas restantes com os preços atuais -, a consultoria calcula a margem da soja em Mato Grosso em R$ 418 por hectare em 2008/09 (ante expectativa inicial de, no máximo, R$ 100), ante R$ 482 em 2007/08, R$ 44 em 2006/07 e uma margem negativa de R$ 417 por hectare em 2005/06.
Em geral mais capitalizados, os produtores brasileiros de grãos poderão ter condições de recuperar, em 2009/10, parte do volume perdido em 2008/09, um ciclo que teve menor uso de tecnologia nas plantações, por conta de uma alta de insumos como fertilizantes que perdeu um pouco do fôlego, o que também pode colaborar para dias melhores.
A demanda doméstica por adubo deu mostras em março que pode se recuperar, e mesmo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), preocupada que está com o acesso dos produtores a crédito num horizonte que até prevê aumento da ordem de 20% nos recursos oficiais disponíveis, para cerca de R$ 100 bilhões, já admite no mínimo manutenção do volume previsto para o ciclo atual.
Mas são muitas as incertezas. A safra de grãos do Hemisfério Norte está em fase inicial de plantio, o que deita dúvidas sobre a oferta, e grande parte das notícias econômico-financeiras mantêm o viés pessimista, o que pode reduzir mais uma demanda global já revisada para baixo. Nota Silveira, da RC, que a massa salarial americana, por exemplo, ainda não caiu tudo o que tem de cair. Antonio Sartori, da corretora gaúcha Brasoja, reitera que a influência do mercado de energia nos rumos agrícolas também será vital.
Rosemeire Cristina dos Santos, assessora técnica da CNA realça que a esse quadro soma-se um percentual grande (42%) de produtores rurais “muito endividados” e com risco elevado para a captação de novos recursos. Mas a carência de fontes de financiamento para custear a temporada 2008/09 pode ter um lado positivo, como observa Pessôa, da Agroconsult.
Em Mato Grosso, principal celeiro de soja do país, os produtores do grão custearam 40% da safra com recursos próprios em virtude sobretudo da fuga das tradings do financiamento, ante 10% em ciclos anteriores. Agora, em contrapartida, embolsam uma parte maior do dinheiro arrecadado com a comercialização, que está superando as expectativas. É mais poder de barganha, pelo menos nesses casos.
Com tantos e tão variados “senões” que cercam o mercado, analistas como Luciano von den Broek, do Rabobank, recomendam aos agricultores cautela e olho nos preços e no dólar, num momento em que a decisão de vender a produção de 2008/09 pode significar muito para 2009/10. Mas que as perspectivas hoje são melhores do que em dezembro, é quase consenso.