Um dos desdobramento mais encorajador da crise alimentar e financeira é ter impulsionado a comunidade internacional para uma mudança de paradigma sobre desenvolvimento agrário e segurança alimentar.
O neoliberalismo, que impôs o sucateamento do Estado e dos projetos de desenvolvimento nacional, fracassou. Em apenas um ano, sob a pressão da inflação alimentar e da perda de emprego e renda, mais de 200 milhões de pessoas desprotegidas ingressaram no exército da pobreza mundial, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Ao mesmo tempo, o aumento dos preços não beneficiou os agricultores familiares que produzem a grande maioria dos alimentos consumidos e exportados no mundo todo.
A novidade é que a crise está gerando uma inflexão e lapidando uma nova agenda internacional. Os países desenvolvidos estão ameaçados pela combinação de desemprego, migrações e fundamentalismos. Por isso, parece que estão compreendendo que é preciso recolocar o Estado no centro da vida econômica e social e, mais do que isto, que sua própria segurança está relacionada ao direito dos países em desenvolvimento de terem estratégias nacionais de desenvolvimento. Estratégias de desenvolvimento sustentável que erradiquem pela raiz o flagelo da fome e da pobreza e gerem emprego e renda no meio rural.
Até a antiga retórica da defesa da ajuda alimentar – que na maioria das vezes era uma forma de escoamento dos excedentes de produção do complexo agroalimentar – foi substituída pela ajuda internacional na estruturação da produção local da agricultura familiar como forma de prover alimentos.
As declarações do G8 e do G5 materializam essa mudança histórica: direitos a estratégias nacionais agrícolas e de segurança alimentar; políticas públicas para a agricultura familiar; suporte às mulheres agricultoras; e disciplina internacional dos investimentos estrangeiros para compra de terras. Estes são os elementos que dão a tônica dessa inflexão.
Estas novas diretrizes refletem, em grande parte, o que é o programa do nosso Governo: políticas públicas para a agricultura familiar e um conjunto de ações específicas para o aumento da produção de alimentos e estabilização dos preços. Fazemos isto desde 2003. Em 2008, tivemos uma reação rápida à “crise dos preços dos alimentos” com a implementação do Programa Mais Alimentos, que no primeiro ano, propiciou o aumento de 7,8 milhões de toneladas da produção de leite, mandioca, milho, feijão, café, arroz e trigo.
Hoje, a modernização da agricultura familiar em curso é responsável por 75% do total da produção nacional de tratores da linha Mais Alimentos (até 78 cv). Em meio a crise econômica mundial, a agricultura familiar produziu mais alimentos e, com isso, contribuiu para o controle da inflação e a garantia de empregos e renda no campo e nas cidades.
Além disso, criamos o Fundo da Agricultura Familiar do Mercosul, que apoiará os países da região na implementação de políticas nacionais e regionais de fortalecimento da agricultura familiar e de aumento da produção de alimentos. Tudo com a participação direta da sociedade civil e das organizações sociais e sindicais.
Há um reconhecimento internacional não só de que estamos no rumo certo. Hoje, o Brasil é referência em desenvolvimento rural nas discussões a respeito do novo mundo que vem aí. Esta nova agenda está alicerçada em três elementos centrais: novo olhar sobre o papel do Estado como articulador do desenvolvimento por meio de políticas públicas nacionais; maior equilíbrio de poder entre os países desenvolvidos e os países emergentes e espaço central da agricultura de base familiar como produtora de alimentos e de estabilidade econômica e social.
Esta é a agenda nova, a agenda de futuro. Esta é a agenda que começamos a construir em 2003 e que agora mostra os seus resultados: mais produção de alimentos, mais empregos, mais estabilidade econômica e maior capacidade do Brasil em participar de forma decisiva na nova governança global.
* Por Guilherme Cassel e Laudemir Muller