Redação (13/08/2008)- O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou a seqüência de conversas com líderes mundiais para reiniciar as negociações da Rodada Doha. Na manhã desta terça-feira, 12, o presidente telefonou para o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, um dos principais responsáveis pelo fracasso das últimas conversas, em Genebra, há duas semanas.
Na conversa, de 20 minutos, Lula disse ao indiano que "está disposto a jogar tudo que puder jogar" para que não se perca o que foi obtido até aqui, e que as negociações sejam retomadas. De acordo com a assessoria da Presidência, Singh afirmou que vai pedir uma nova reunião dos ministros de relações exteriores para que trabalhem novamente no tema.
Lula voltou a dizer que o Brasil está disposto a encontrar soluções que não afetem o sistema comercial multilateral. O presidente informou ainda ao colega indiano que teve a mesma conversa com o presidente americano, George W. Bush, e o chinês, Hu Jintao, durante a visita feita a Pequim, na semana passada.
Singh informou a Lula que o diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, irá a Índia para tentar retomar as negociações e que a Índia está disposta a uma nova tentativa. O primeiro-ministro disse ao presidente brasileiro que "ficou tão decepcionado quanto os demais" com o fracasso em Genebra, mas que o considera apenas um "revés temporário". Ele defendeu a posição da Índia, afirmando que precisa proteger os 600 milhões de agricultores familiares indianos que seriam prejudicados se não houver avanços.
Pressa nas negociações
O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, acredita que a Rodada Doha pode ser concluída ainda este ano, até o fim de dezembro. Já o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, não é tão otimista. Ele afirmou, em entrevista ao jornal francês Le Monde, que "resta uma pequena chance de concluir" com sucesso a Rodada Doha. Mas ele disse que os líderes mundiais precisam agir rapidamente e propôs um encontro "em meados de setembro, em Brasília ou algum outro lugar", antes que fatores políticos já em andamento, como as eleições nos EUA e na Índia, interfiram ainda mais nas negociações que entraram em colapso em 29 de julho em Genebra.
Amorim disse que saiu muito pessimista de Genebra quando as discussões esbarraram em obstáculos políticos, mas acrescentou que nem ele nem o presidente Lula aceitam o fracasso da rodada. Ele lembrou que Lula conversou com o presidente norte-americano a respeito e, em Pequim, falou sobre as negociações com o presidente chinês Hu Jintao. "Ele (Lula) deve telefonar ao primeiro-ministro indiano e estamos em contato com os australianos e os indonésios", disse Amorim.
Manutenção dos avanços
De acordo com o ministro, se as discussões forem retomadas rapidamente, é provável que os avanços conseguidos até agora nas negociações sejam mantidos. "Mas se a retomada for feita em dois ou três anos, temo que novos cálculos e reflexos protecionistas tenham tempo de colocar em dúvida o que foi conquistado". Amorim disse, por exemplo, ter muitas dúvidas sobre o acordo da banana. No caso do etanol, houve avanços com a Europa, e menos avanços com os EUA, acrescentou.
O chanceler destacou que, embora os negociadores tenham conseguido se entender sobre temas importantes, que ele chama de "o triângulo de Pascal", numa referência ao diretor-geral da OMC – o acesso dos produtos agrícolas ao mercado da União Européia, o acesso dos produtos industrializados aos mercados dos países em desenvolvimento e as subvenções agrícolas americanas – as discussões emperraram nos "obstáculos políticos". É curioso que a Índia tenha discutido não "para proteger uma vantagem adquirida, mas para impor um novo instrumento que não existia, estas cláusulas de salvaguardas especiais destinadas a proteger seu mercado agrícola", comentou Amorim.
Perguntado se o Grupo dos 20 (países emergentes) continua unido em torno do Brasil, o ministro afirmou que o "G20 errou ao aceitar, sem colocar em cifras, o conceito dos mecanismos especiais, tais como a cláusula de salvaguardas". Mas ele acrescentou que é preciso compreender as dificuldades de alguns, como Argentina e África do Sul, e "imaginar soluções específicas e temporárias para os mesmos".
Amorim disse que a falta de um acordo dentro da Rodada Doha representará perda para todos os países, mas sobretudo para os mais pobres, "porque as subvenções e as barreiras aduaneiras se pagam em vidas humanas, em privações para as populações numerosas e em atraso no desenvolvimento de certos países". Ele admite que o Brasil perde no curto prazo, mas tem terras inexploradas, água, tecnologia e exportações agrícolas que não param de crescer. "Nós já praticamos o multilateralismo e nossas exportações estão bem repartidas: 25% para a Europa, 25% para a América Latina, 15% para os EUA e 15% para a Ásia", disse Amorim, após se declarar convencido de que o sistema multilateral, defendido na OMC, é "essencial no mundo de hoje e que os acordos bilaterais não são uma boa solução".