Redação (21/07/2008)- Os países emergentes e mesmo o Mercosul não se entendem sobre qual deve ser a prioridade das negociações desta semana na Organização Mundial do Comércio (OMC). O centro da discórdia é o acesso para produtos agrícolas aos mercados da China e Índia. O chanceler Celso Amorim deixou claro que o Brasil abandonaria seus interesses exportadores para garantir a unidade dos países emergentes neste momento. Já a Argentina se recusou a fazer novas concessões.
"A unidade dos emergentes será fundamental neste momento. Precisamos evitar a tentação de nos dividir", alertou o chanceler. Ele acredita que uma nova proposta comercial deverá ser apresentada pela OMC até o fim da semana e, junto com outros emergentes, defendeu uma revisão completa das exigências de cortes de tarifas para bens industriais.
Mas o problema é que os países emergentes importadores de alimentos querem ter o direito de impor barreiras contra produtos agrícolas caso verifiquem que há um crescimento exagerado da entrada de bens. Índia, Indonésia e outros governos não querem que sua segurança alimentar ou produção doméstica seja afetada por outros produtores.
Para esses governos, se as importações atingirem um certo nível, um mecanismo de salvaguarda seria acionado e a importação seria bloqueada. Mas Paraguai e Uruguai decidiram apresentar uma proposta sugerindo que o mecanismo seja limitado. "As barreiras precisarão ser justificadas e apenas provisórias", afirmou o chanceler paraguaio, Ruben Ramirez.
Amorim deixou claro que o Brasil é favorável à proposta, mas, como coordenador do grupo dos países emergentes, não pode adotar uma posição de apoio público à iniciativa. A Índia se recusou a falar do projeto.
No fundo, o debate se refere ao acesso aos mercados que mais crescem no mundo, os dos emergentes asiáticos. Na China, a importação vem aumentando a taxas de mais de 30% ao ano. Na Índia, a nova classe média vem estabelecendo um novo padrão de consumo de alimentos. Para Uruguai e Paraguai, a salvaguarda poderia cortar em 50% o comércio com a China, hoje um dos maiores importadores de alimentos do mundo.
Para o Chile, a proposta de abrir os países emergentes tem o potencial de rachar o grupo e não estaria na hora de ser apresentada. "É um assunto perigoso", afirmou um representante do país.
Na avaliação de um negociador latino-americano, a formação de uma aliança entre Brasil, Índia e China acabou comprometendo o potencial dos países exportadores de pressionar por uma abertura dos mercados emergentes. Numa declaração do G-20 emitida ontem, o grupo saiu em defesa das barreiras, afirmando que o assunto era vital para a segurança alimentar e desenvolvimento rural. Mas sem entrar em detalhes.
Para o Paraguai, o G-20 de fato é um grupo para lutar contra os países ricos. "Mas agora precisamos debater o que o ocorrerá entre nós", afirmou o chanceler. Para Stancanelli, há o risco de que o debate entre os emergentes acabe dividindo o grupo de países, o que enfraqueceria a posição do grupo nos próximos dias diante da pressão americana e européia. Amorim garante que não está na hora de o G-20 ser dissolvido. "Só chegamos a esse ponto nas negociações por causa da existência do G-20", afirmou.
Mesmo no G-20, não há uma sintonia total entre os países em relação à declaração que emitira ontem. "Tivemos um curto-circuito", afirmou um delegado venezuelano. O problema foi a insistência dos importadores de incluir uma referência às barreiras aos produtos agrícolas em seu mercado. A decisão final foi de incluir o tema na agenda, mas não citar números.
MERCOSUL
Outro problema será a divergência no Mercosul sobre qual deve ser o corte de tarifas industriais. A Argentina insiste que só aceita uma redução de 50%. O Brasil estaria disposto a aceitar um volume maior. Buenos Aires ainda bateu o pé ontem em uma reunião dos países emergentes, afirmando que não tinha mais qualquer margem de manobra para oferecer novo acesso aos produtos industriais dos países ricos.
O Itamaraty sabe que a posição de intransigência da Argentina, Venezuela, Bolívia e outros pode comprometer um acordo. Uma declaração conjunta sobre o setor industrial demorou para ser negociado entre os emergentes. Tratava-se de um recado de que a responsabilidade pela conclusão da Rodada é dos países ricos e um pedido para que o fim das distorções na agricultura que por décadas gerou prejuízos aos fazendeiros nos países pobres.