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Processamento de soja tem futuro incerto

<p>Atividade perde rentabilidade no Brasil e investimentos em fábricas ganham força em países concorrentes.</p>

Da Redação 10/11/2005 – Está chegando ao fim aquele que vem sendo considerado pelas indústrias um dos piores anos dos últimos tempos para o processamento de soja no Brasil. Com margens de esmagamento negativas durante a maior parte de 2005, as empresas que atuam no segmento suspenderam as operações de diversas unidades nos últimos meses e agora começam a parar suas fábricas para manutenções programadas de fim de ano em meio ao reaquecimento do debate sobre o futuro da atividade no país.

Sem os preços internacionais atraentes e o câmbio favorável às exportações que impulsionaram os negócios entre 2001 e meados de 2004, as indústrias multinacionais vêm investindo mais na Argentina, na Ásia e no leste europeu do que no Brasil, que assim se consolida como produtor e exportador de soja em grão e perde cada vez mais espaço nos mercados externos de farelo e óleo de soja – que têm maior valor agregado e que, teoricamente, poderiam oferecer rentabilidades maiores na comercialização.

“Sem câmbio e preços favoráveis, sobraram para as indústrias que atuam no país este ano os problemas logísticos e tributários que tiram rentabilidade das operações”, diz Adalgiso Telles, diretor corporativo da Bunge. Multinacional com sede nos EUA, a Bunge conta com 12 unidades de processamento no país, que demandam de 13 milhões a 15 milhões de toneladas de soja por safra. Segundo Telles, com o quadro atual a empresa decidiu antecipar em cerca de um mês as manutenções de fim de ano e todas as fábricas já estão começando a parar. “A safra 2004/05 mais curta [por conta da quebra da produção de grãos no Sul] também colaborou para a antecipação das paradas”, afirma o executivo.

Telles garante que a fábrica de Cuiabá (MT), cujas operações foram suspensas no início de outubro, voltará a operar, como as demais unidades, entre o fim de fevereiro e o início de março, quando começará o processamento da soja produzida na safra 2005/06. Fontes do mercado dizem, contudo, que Cuiabá será desativada. As mesmas fontes desconfiam que outras unidades de outras indústrias terão o mesmo fim. Nesta lista estão as plantas das americanas ADM em Paranaguá (PR) e Cargill em Mairinque (SP). A primeira, que tem capacidade para 1,3 mil toneladas por dia, foi paralisada no fim de setembro; a segunda, para 2,2 mil toneladas diárias, teve as operações suspensas em maio passado, mas voltou a operar nas últimas semanas. Em abril a ADM também fechou temporariamente sua planta em Três Passos (RS), que terá o futuro reavaliado na volta para 2005/06.

A Cargill, que além de Mairinque tem outras cinco fábricas no Brasil – estas com capacidade conjunta para processar cerca de 10 mi toneladas de soja por dia -, não vai antecipar as paradas programadas por conta da conjuntura adversa, mas, em média, está rodando com cerca de 70% de sua força total. “A Argentina tem custos menores e câmbio melhor para trabalhar com óleo e farelo. Sobra para o Brasil, com isso, o preço do grão. Para os derivados, teríamos de ter prêmios no mercado interno que compensassem as operações, mas isso não está acontecendo”, lamenta José Luiz Glaser, diretor do Complexo Soja da múlti. Segundo ele, as paralisações de fim de ano (entre 10 e 15 dias) vão começar normalmente em 15 de dezembro.

De uma maneira geral, fontes ligadas às companhias calculam que as margens no esmagamento foram no mínimo 5% negativas durante a maior parte do ano, em uma atividade que quando obtém margem positiva de 2% costuma comemorar. “Tivemos prejuízo com farelo e óleo o ano inteiro, e a situação não é pior porque cresceu a demanda doméstica em razão do avanço do setor de carnes”, observa César Borges de Sousa, vice-presidente da Caramuru Alimentos. Conforme ele, a “tábua de salvação” da companhia em 2005 foram os prêmios obtidos com a venda certificada de farelo e lecitina não transgênicos. Ainda assim a unidade de São Simão (GO) parou 20 dias em outubro e vai parar novamente em dezembro ou janeiro. A planta de Itumbiara (GO) também vai entrar em fase de manutenção nas próximas semanas. A Caramuru deverá faturar R$ 1,5 bilhão neste ano, ante R$ 1,8 bilhão em 2004.

O Valor já tratou do futuro do esmagamento de soja no Brasil em diversas oportunidades, e constata que consultores, analistas e executivos do setor estão cada vez mais convencidos de que tal futuro será guiado pela demanda doméstica do setor de carnes – que no médio prazo não exigirá ampliação significativa da capacidade de processamento atual -, e pelo desenvolvimento do biodiesel, uma vez que a soja é uma das culturas agrícolas que podem alimentar esse mercado. Para as exportações, contudo, é quase consenso que farelo e óleo pesaram cada vez menos na balança nacional.

Para muitos, o divisor de águas foi a Lei Kandir, de 1996. “As fábricas normalmente são distribuídas ou em função da produção de soja ou da localização dos portos. Daí a migração de muitas plantas do Sul para o Centro-Oeste, onde a soja começou a ganhar destaque na década de 1970. Mas, em situações normais de mercado, a Lei Kandir praticamente inviabilizou o transporte interestadual do produto. Antes, o ICMS de 12% pago de um Estado para outro virava crédito e era descontado na exportação; depois a exportação deixou de pagar ICMS e não há mais como compensar. Na prática, cada Estado virou um país diferente”, explica um fonte das indústrias. E o efeito colateral desse movimento foi a redução de investimentos em novas fábricas de processamento.

Em 1995, quando o Brasil colheu menos de 26 milhões de toneladas de grãos, a capacidade doméstica de processamento de oleaginosas era de 116.280 toneladas por dia, conforme dados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Em 2004, quando a colheita rendeu quase 50 milhões de toneladas, a capacidade era de 131.768 toneladas diárias. Ou seja: a produção aumentou 92% na comparação, e a capacidade cresceu 13,3%. Enquanto isso, a Argentina, cuja produção de soja ainda é inferior a 40 milhões de toneladas, alcançou uma capacidade de processamento de 108.508 toneladas por dia em 2004. Levantamento da corretora J.J. Hinrichsen mostra, ainda, que há fábricas em fase de montagem que devem elevar a capacidade platina em 22,7 mil toneladas por dia, e projetos que agregarão outras 26.725 toneladas.

Termômetro das vantagens logísticas e cambiais do vizinho é a Cargill. A múlti, que tem três unidades na Argentina (capacidade total de 18 mil toneladas por dia), está construindo uma quarta planta de 12 mil toneladas – a soma das capacidades de suas seis fábricas brasileiras.