A alta recente dos custos de projetos de geração renovável levou a uma desaceleração momentânea do fechamento de grandes contratos de energia de longo prazo entre geradores e consumidores no mercado livre neste ano, segundo especialistas e executivos do setor elétrico.
A percepção é de que as dificuldades da conjuntura atual se estendem para o mercado de renováveis como um todo após forte crescimento, mas com desafios adicionais para a fonte eólica, que sofre com maior pressão na cadeia de suprimento global e local.
Já a solar fotovoltaica também enfrenta alta de custos nos grandes projetos, mas mantém taxas de crescimento expressivas no país puxada pela geração distribuída –instalação de pequenos sistemas solares em residências, fachadas e terrenos.
Os maiores custos de empreendimentos de geração refletem o aumento de preços de matérias-primas e despesas logísticas, além do custo financeiro, com taxas mais altas de importantes financiadores como BNDES e BNB.
Esse cenário coloca mais dificuldade na negociação de contratos de compra e venda de energia (PPAs) entre elétricas e consumidores finais, avalia Marília Rabassa, diretora da Clean Energy Latin America (CELA), que presta assessoria financeira a empresas e investidores do setor.
“Para a energia eólica, é identificado ainda um gargalo no suprimento dos equipamentos, o que também impacta os negócios para o setor”, disse Rabassa, citando ainda que os preços da energia solar estão mais elevados para grandes empreendimentos, o que limita o interesse de investidores.
Executivos de grandes geradoras renováveis têm percepção semelhante.
“A gente percebe que os clientes deram uma pausa para entender o mercado e esse aumento de preços”, afirmou Clarissa Sadock, CEO da AES Brasil, em teleconferência com investidores neste mês.
Fabio Zanfelice, CEO da Auren Energia, também disse notar um desaquecimento dos negócios junto a grandes consumidores de energia, mas afirmou que a companhia segue vendo oportunidades para viabilizar novos empreendimentos através de contratos com prazos mais curtos negociados por sua comercializadora.
Já o diretor de Novos Negócios da Casa dos Ventos, Lucas Araripe, acredita que é natural que a venda de energia aconteça de forma mais lenta em um cenário de alta de preços.
Para ele, esse processo é transitório, até que o mercado se ajuste à nova realidade.
Araripe também lembrou que outros fatores além do custo da energia pesam sobre a decisão dos consumidores. “Também tivemos um incremento significativo no valor de encargos setoriais, o que tem contrabalanceado o custo final em modalidades como a autoprodução, que temos oferecido para diversos clientes.”
Ventos contrários
A energia eólica permanece entre as fontes mais competitivas de geração, mas tem mostrado uma dinâmica um pouco mais fraca nos últimos meses, com a indústria local sofrendo com problemas similares aos enfrentados pelas grandes fabricantes em todo o mundo.
Especificamente no Brasil, o setor foi surpreendido ainda com a decisão da norte-americana GE de suspender as vendas de aerogeradores.
Para Rabassa, da CELA, a saída da GE de um mercado com número reduzido de players tende a pressionar ainda mais a cadeia de suprimentos.
Diversos empreendedores já estavam assinalando a dificuldade em obter equipamentos para a construção de seus projetos e agora nessa conjuntura a dificuldade deve aumentar”.
Outro indicativo de adversidade foi dado pela fabricante brasileira de pás eólicas Aeris, que cortou em quase 30% sua projeção de produção para 2022, num movimento interpretado negativamente por analistas.
“Em nossa opinião, os ajustes no guidance (da Aeris) resultaram da deterioração de toda a indústria do setor de energia eólica”, escreveram Lucas Marquiori e Fernanda Recchia, do BTG Pactual em relatório.
A equipe do BTG menciona ainda que os custos de Capex (investimento) tiveram forte aumento para projetos eólicos, passando para uma faixa de 6 milhões a 6,5 milhões de reais por megawatt, conforme estimativas da consultoria PSR, ante um patamar de 3,8 milhões a 5,5 milhões visto em 2020 pela estatal de política energética EPE.
A presidente da associação ABEEólica, Elbia Gannoum, avalia que o arrefecimento das novas contratações de energia renovável é natural, após um volume intenso de negócios observado de 2018, além de ter relação com questões conjunturais não relacionadas ao setor, como as eleições de outubro.
“O mercado ainda está buscando um ponto de equilíbrio em um patamar de custos que será mais elevado.”
Ela aponta ainda que essa desaceleração deve aparecer nas instalações de novas eólicas a partir de 2024 e 2025.
Para 2022, a ABEEólica prevê que o crescimento de instalações de turbinas fique próxima do recorde de 3,8 GW/ano visto em 2021, ante uma taxa de 2,4 GW em anos anteriores.
Boom da Solar
Já a geração solar fotovoltaica tem se expandido por todo o país, impulsionada principalmente por projetos de pequeno porte, enquadrados na categoria “geração distribuída”.
Segundo estudo da consultoria Greener, a importação de módulos para geração solar pelo Brasil praticamente dobrou no primeiro semestre, atingindo cerca de 8 gigawatts (GW).
Luiza Bertazzoli, pesquisadora da Greener, lembra que além da maior procura de consumidores por energia mais barata e sustentável, os negócios ganharam impulso neste ano devido a mudanças regulatórias, a exemplo do novo marco legal da geração distribuída.
A associação do segmento Absolar prevê que em 2022 a potência instalada de energia solar chegará a 24,9 GW, um crescimento de 91,7% em relação ao fim do ano passado.
O cenário da entidade coloca a geração distribuída como a principal responsável pela expansão da capacidade instalada neste ano, atingindo 17,1 GW (+105%), ante 7,8 GW previstos para a geração centralizada de grande porte (+67,8%).
Apesar do ritmo mais lento dos negócios recentemente, agentes do setor elétrico ressaltam que os fundamentos estruturais não mudaram: consumidores, especialmente industriais, continuam buscando energia renovável, seja para garantir maior competitividade a suas operações, seja para cumprir com metas sustentáveis “ESG”.