Considerado o “primo pobre” do milho, o sorgo se tornou o “grão da vez” no mercado mundial graças a uma nova jogada da China. Em busca de alternativas mais baratas para a ração animal, o país asiático deflagrou uma ofensiva de importação de sorgo que já mexe com as intenções de plantio nos Estados Unidos e na Argentina e chama a atenção de agricultores brasileiros. Ainda não está clara qual será a extensão da demanda chinesa pelo cereal, mas a fresta aberta pelo gigante, dado seu incomparável apetite, foi o suficiente para gerar grande expectativa.
“Se há demanda, é claro que desperta a curiosidade do agricultor”, diz Almir Dalpasquale, presidente da Aprosoja Brasil, associação que representa produtores de grãos do país. No curto prazo, acrescentou ele, esse movimento chinês não tende a mudar muito para o Brasil, mas há potencial num horizonte futuro. “A China está investindo pesadamente em sua produção de milho, para garantir sua independência. Aí vem o sorgo, em uma provável mescla para alimentação animal”. Grande fornecedor de soja à China, o Brasil vem há anos tentando emplacar a exportação de maiores volumes de milho ao país asiático, sem sucesso.
A transformação do sorgo em cisne não passou despercebida à FAO, braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação. A entidade prevê um declínio de 8,45 milhões de toneladas no comércio mundial de milho nesta safra 2014/15, a 116 milhões de toneladas. E estima uma elevação de quase 4 milhões de toneladas nas negociações de sorgo, para 10,5 milhões de toneladas – a maior parte destinada à China, que já é o maior comprador do grão. A comercialização de milho é incontestavelmente mais expressiva, mas não se pode negar que há uma mudança em curso nesse mercado.
O sorgo do tipo granífero é substituto do milho na alimentação de aves, suínos e mesmo de bovinos. Segundo Cicero Menezes, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, o valor nutritivo do grão é menor que o do milho, mas pouco – de 5% a 10%. “E o sorgo tem mais proteínas que o milho”, diz. Ainda pouco popular no Brasil, a produção do grão deverá somar ínfimas 1,99 milhão de toneladas em 2014/15, 5,3% acima da safra passada, conforme a Conab.
A demanda firme por ração na China – o país é um dos principais produtores mundiais de carnes – e os preços elevados do milho em seu mercado têm sido importantes vetores desse reordenamento em favor do sorgo. Os elevados subsídios de Pequim aos produtores de milho encarecem o grão aos criadores chineses: as cotações internas equivalem hoje a entre US$ 9 e US$ 10 por bushel, mais que o dobro do patamar de US$ 3,70 a US$ 3,90 por bushel na bolsa de Chicago, de acordo com Pedro Dejneka, sócio-diretor da consultoria AGR Brasil, em Chicago. “Antes, o confinador na China buscava milho no exterior, mas o governo passou a colocar empecilhos para forçar a compra no mercado interno, porque há estoques de quase 100 milhões de toneladas no país”, afirma ele.
Muitos analistas relacionam a corrida chinesa ao sorgo à devolução de carregamentos de milho transgênico dos EUA. Entre o fim de 2013 e o início de 2014, a China mandou de volta para os americanos ao menos 1 milhão de toneladas do grão com traços do MIR 162, um transgênico da multinacional Syngenta que não era aprovado no país asiático. A autorização saiu mais tarde, em dezembro de 2014, mas as aquisições do sorgo americano já vinham acontecendo antes disso – e continuaram firmes e fortes.
Uma questão tarifária também tem servido de combustível às importações da China. O país possui um sistema que impõe taxas às compras de milho acima da cota estabelecida – que está próxima de 3 milhões de toneladas -, mas existe uma brecha que dá maior flexibilidade à aquisição de outros grãos voltados à alimentação animal, como o sorgo. “Não acredito que os chineses farão o mesmo que fizeram com a soja, mas o sorgo pode, cada vez mais, gerar oportunidades para os produtores”, diz Dejneka.
Maior produtor de sorgo do Brasil, responsável por um terço da colheita total, Goiás tem potencial para ampliar significativamente a área dedicada à cultura, na avaliação de Bartolomeu Braz Pereira, vice-presidente da Faeg, federação que representa agricultores e pecuaristas do Estado. Na safra de verão, as lavouras goianas ocupam 3,2 milhões de hectares com soja, mas apenas pouco mais de 1 milhão de hectares na safrinha, que é dividida entre milho e sorgo. “Os 2 milhões restantes são áreas com janela de chuvas aptas ao sorgo. Eu mesmo poderia até triplicar minha produção se demanda e logística fossem viabilizadas”, diz Pereira, que cultiva 400 hectares de sorgo em Padre Bernardo e Niquelândia, norte do Estado.
O sorgo é mais resistente à escassez hídrica e costuma ser a aposta dos agricultores quando o calendário do plantio de milho aperta. O grão também é menos exigente em adubação, embora não se possa descuidar desse trato. De acordo com Menezes, da Embrapa, o sorgo tem raiz profunda, que vai buscar nutrientes. “Se o agricultor não aduba, o solo se exaure e a soja que vem depois tem dificuldades. Essa prática tem deposto contra o sorgo”, diz.
O fato é que o custo de produção do sorgo chega a ser 40% menor que o do milho – R$ 1.400 por hectare atualmente, segundo Bartolomeu Pereira. O consultor Enio Fernandes, da Terra Agronegócio, pondera, contudo, que muitas vezes essa diferença pode diminuir para 10%. E que o milho normalmente dá mais retorno econômico, porque a produtividade é maior e o preço costuma ser mais elevado.
O rendimento médio do sorgo está em 2,7 mil quilos por hectare no Brasil, e o do milho, em 5,2 mil. Já a cotação da saca de 60 quilos do sorgo está em R$ 19 em Goiás, 25% abaixo da de seu rival. “Mas é um mercado de oportunidade, que não deve ser desprezado”, afirma Fernandes.
Além de Goiás, especialistas apontam oportunidade de avanço do sorgo em outros Estados do Centro-Oeste e na região conhecida como “Mapitoba” (confluência de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), regiões sujeitas a veranicos no inverno – embora também se façam necessários investimentos em melhoramento genético. “Se o sorgo ganhasse o mesmo tratamento do milho, seria mais competitivo, com produtividade similar ou até maior”, diz Rubens Miranda, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo.