A composição dos investimentos estrangeiros diretos (IED) no Brasil mostra que a qualidade desses recursos caiu entre 2012 e 2013, com o aumento da participação dos empréstimos intercompanhias no total investido e a contínua perda de força da indústria como fonte de recebimento desses recursos.
Os investimentos estrangeiros diretos são uma fonte de financiamento externo importante de longo prazo, bem mais estáveis do que os investimentos em portfólio, por exemplo. Entre janeiro e novembro de 2013, o IED somou US$ 57,5 bilhões, uma queda de 4% ante os US$ 59,9 bilhões recebidos em igual intervalo em 2012. Se o volume não é suficiente para cobrir integralmente o déficit de US$ 72,7 bilhões em transações correntes do período, ele fica bem perto disso, ao corresponder a cerca de 80% do total.
A abertura dos números mostra, contudo, que essa quase estabilidade do volume de investimentos estrangeiros diretos para o Brasil foi alimentada por um aumento da fatia dos empréstimos intercompanhias sobre o total. Esse tipo de recurso – o capital transferido da matriz para a filial no Brasil, sem garantias de que se destinará ao investimento produtivo – cresceu 57% de janeiro a novembro de 2013 em relação a igual período de 2012, saltando de US$ 12,3 bilhões para US$ 19,4 bilhões. Isso, em detrimento dos recursos efetivamente usados na criação, ampliação ou aquisição de negócios – a chamada “participação no capital” -, cujo declínio foi de 20% no período, de US$ 47,5 bilhões para US$ 38 bilhões.
Diante das movimentações dos dois componentes do IED, a modalidade participação no capital representa 66% do investimento estrangeiro direto líquido, o que indica um pequeno avanço ante o piso de 64% registrado em meados de julho, mas fica distante da fatia de cerca de 80% que detinha no IED líquido no primeiro semestre de 2012.
Para o presidente da Sobeet, Luis Afonso Lima, o crescimento dos investimentos intercompanhia não é positivo, mas “muito natural”, especialmente após o governo ter flexibilizado a incidência do IOF para este tipo de operação. A alíquota de 6% de IOF que, em junho de 2012, incidia sobre as captações externas com prazo de até cinco anos encerrou aquele ano incidindo sobre operações com prazo reduzido para apenas um ano. “Chama a atenção o aproveitamento de oportunidade que as empresas tiveram ao longo de 2013”, diz Lima.
Mas há outros indicadores de “piora” na qualidade do investimento estrangeiro direto. Um deles é a perda de força da indústria no direcionamento desses recursos. Outro indicativo é que as operações acima de US$ 100 milhões ainda somam mais de 40% do IED, o que significa uma concentração grande em poucas e grandes operações e, portanto, maior vulnerabilidade. “Boa parte das operações foi feita em extração de petróleo e gás natural, em parte por conta dos leilões de Libra. Isso é uma pista para 2014. Se o governo não tiver grandes leilões, é melhor não contar com grande massa de investidores diretos pulverizados”, diz Lima, da Sobeet.
Do lado da indústria, ao se analisar os ingressos em participação no capital abertos por setor, vê-se que a fatia industrial caiu de 36,7% entre janeiro e novembro de 2012 para 31% em igual período de 2013 – voltando aos níveis de 2008, quando essa participação foi de 32%. Essa proporção saltou para 43% em 2009, caindo para 40%, 39% e 37% nos três anos seguintes.
Para Felipe Salto, economista da Tendências, a queda das entradas para o setor que agrega mais valor à atividade ocorre provavelmente porque há uma desconfiança no processo de crescimento econômico. Ele lembra que os ingressos estão sendo direcionados aos serviços (que apresentaram pequena queda, porém, no ano passado) e especialmente para a categoria agricultura, pecuária e extrativa mineral, cuja participação nos investimentos voltados para participação no capital saltou de 10,8% para 19,7% entre janeiro e novembro de 2012 e 2013. “Esse é o dado positivo da abertura”, diz Salto.
Segundo o economista, o que vem ocorrendo com a indústria é preocupante, mas ajuda a explicar um pouco o dado de expansão da indústria nacional se comparada à indústria do resto do mundo. “Quando se pega 2011 e 2012, que é exatamente o período em que se vê que o investimento externo começou o movimento de redução na indústria, a produção nacional recuou, em média, 1,1%. E na indústria do resto do mundo, com destaque para os asiáticos e, dentro deles, para a China, a média foi de crescimento de 3,5%.” Para o economista, parece claro que, além da estagnação da formação bruta de capital fixo local, essa queda da indústria também pode ser explicada pela perda de força do canal de investimento externo.
Salto afirma que a recuperação não deve ser rápida nos próximos anos porque o cenário externo ainda é mais adverso e porque a política macroeconômica doméstica talvez ainda demore um pouco para se recompor. “O quadro para a indústria talvez seja mais difícil do que a gente pensa olhando esses dados abertos do IED”, diz.
Lia Valls Pereira, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que a maior atratividade de agricultura e extração se deve ao fato de serem setores “ainda em construção”. Segundo ela, serviços também têm novos campos. No caso da indústria, afirma, um país que não cresce muito e não tem muitas expectativas de crescimento pela frente, ao menos no curtíssimo prazo, não é muito favorável ao investimento estrangeiro nesse segmento. “Acho que a indústria só vai conseguir atrair uma nova onda de investimento se a economia voltar a crescer de uma forma mais sustentada”, afirma.