O real teve, ontem, a segunda melhor performance entre as moedas de economias emergentes, atrás apenas do rand sul-africano. O dólar fechou em queda de 0,90% a R$ 2,4150. No fluxo positivo de US$ 2,7 bilhões (ingresso de recursos externos) da semana passada havia não só operações comerciais, mas também “real money” de grandes investidores estrangeiros. Esses são dois indicadores que, embora pontuais, animaram os gestores da política econômica nos últimos dias. Há pelo menos três dias o Brasil está fora do centro da crise que pune os emergentes, salientam os economistas oficiais.
O governo brasileiro está empenhado em tomar cuidados para não dar um “tiro no pé” nesse momento de turbulências externas. Exemplo de “tiro no pé” seria anunciar uma meta fiscal frouxa agora ou, ainda, comemorar uma taxa de inflação de 6% ao ano. Tenta, também, lançar âncoras para o futuro – indicando expansão dos investimentos e foco no aumento da produtividade – para descongelar 2014.
Esse será um ano difícil, seja por causa das eleições que acabam gerando volatilidades, seja pelas turbulências causadas pela mudança nas condições monetárias globais após cinco anos de grande liquidez. Uma forma de contornar essas dificuldades é acenar com um futuro promissor.
Indicadores recentes animam gestores da política econômica
Não há uma crise nas economias emergentes, na avaliação do governo brasileiro. Nem a situação dada pelo cenário internacional é de fim de festa para esses países, pois lá é que estão as oportunidades de crescimento no médio prazo. O que há é uma transição comandada por mudança de preços relativos.
“É hora do vamos ver e é preciso muita perícia para mostrar nossas qualidades e diferenças”, disse uma autoridade. Para manejar essa transição com o menor custo possível será necessária a ajuda de uma política fiscal sólida, crível, que pode afastar o risco de um rebaixamento do grau de investimento do país pelas agências de rating.
A meta de superávit primário para este ano será anunciada até o dia 20 de fevereiro, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O que se discute é o tamanho exato do compromisso fiscal – 2% do PIB ou, talvez, algo um pouquinho menor. Sobre isso Mantega não quis falar. Para a gestão da política monetária, quanto maior for a contribuição das contas públicas, melhor.
Não basta, no entanto, anunciar a meta. O Ministério da Fazenda vai ter que explicá-la de forma convincente e sem tergiversações. É aconselhável, também, evitar tomar medidas com sinais ruins, como foi a elevação do IOF sobre gastos em viagens internacionais no fim de 2013.
O governo está preocupado não só em dar a direção da política fiscal, mas em como anunciá-la e defende-la para que não caia rapidamente em descrédito.
Após falar pela primeira vez para a elite das finanças do mundo, em Davos (Suíça), na semana passada, a avaliação que se faz no Palácio do Planalto é de que o discurso da presidente Dilma Rousseff naquele fórum foi positivo. Esse foi o retorno que autoridades brasileiras tiveram do presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, esta semana.
Não é confortável, no entanto, estar entre os “cinco frágeis” mais uma vez listados na edição de ontem da “The Economist”, ao lado da Turquia, África do Sul, Índia e Indonésia.
Uma boa meta fiscal é fundamental para o país navegar sem grandes sobressaltos, mas não é suficiente para funcionar como “bala de prata”, sobretudo nos momentos de estresse nos mercados internacionais. A Noruega, por exemplo, tem dívida líquida negativa como proporção do PIB, não tem qualquer problema fiscal, mas a coroa norueguesa está perdendo valor frente ao dólar de forma rápida, citou ontem uma fonte. Há outras questões em jogo e, no caso da Noruega, a desvalorização está muito provavelmente ligada ao petróleo. Ontem a moeda teve desvalorização de 1,32%.
Para os momentos de estresse, o que conta mais é o poder de fogo das reservas cambiais.
O governo parece agora convencido, porém, de que o rigor fiscal é um sinal importante para readquirir credibilidade junto aos agentes econômicos, melhorar as expectativas e desafogar a política monetária.
O conceito que rege a questão fiscal e que inspirou o discurso da presidente em Davos é o da “contração fiscal expansionista”, ou seja: uma meta de superávit primário contracionista, capaz de reduzir a dívida pública líquida como proporção do PIB, agora, pode melhorar tanto o humor dos agentes econômicos internos e externos e restabelecer a confiança que, ao final das contas, ela representará expansão da demanda e do crescimento econômico no futuro próximo.
O real teve uma desvalorização nominal de mais de 55% de julho de 2011 até agora. A expectativa do governo é que neste ano os efeitos do câmbio associado a um maior crescimento das economias avançadas se materializem num reforço das contas do balanço de pagamentos. Conta, para isso, com a expectativa de crescimento do comércio mundial de 2,7% em 2013 para 4,5% estimados para 2014. Com uma meta fiscal sólida e um déficit em conta corrente do balanço de pagamentos estável, o governo acredita que atravessará essa transição que, ao final, será positiva, porque representa a normalização das economias avançadas após uma crise de longa duração.
A inflação caiu cerca de um ponto percentual do pico de 6,7% em junho de 2013 para cá e o Banco Central elevou os juros em 325 pontos-base desde abril. Para este ano, não há uma meta informal explícita do BC, como havia no ano passado, quando a autoridade monetária se comprometeu com um IPCA menor do que os 5,84% de 2012 mas não conseguiu entrega-la. O IPCA de 2013 foi de 5,91%. Há, para 2014, apenas a meta formal de 4,5%.
Crescimento mais ou menos igual ao do ano passado, de pouco mais de 2%; uma inflação que indique convergência para a meta ainda que não este ano; e o auxílio da política fiscal à política monetária para dosar o aumento dos juros são três elementos que vão orientar a política econômica do último ano do mandato de Dilma Rousseff.
Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras
E-mail: [email protected]