O governo deu ontem o primeiro sinal concreto de que poderá retomar as negociações em torno da reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS). O ministro da Fazenda, Guido Mantega, convidou o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) para uma conversa hoje. Delcídio é o relator da reforma no Senado. O presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), senador Lindbergh Farias (PT-RJ), também participará do encontro.
A área econômica também ouvirá hoje os secretários estaduais de Fazenda, durante reunião extraordinária do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), sobre as chances de um acordo sobre a reforma.
Durante esses encontros, o governo pretende mais ouvir do que falar. Mas deixará claro que a proposta aprovada pela CAE do Senado não é aceitável e que também não concederá um desconto a todas as dívidas estaduais renegociadas pela União, como propôs o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), relator do projeto de lei complementar que trata da questão.
O governo vai dizer que o máximo a que pode chegar é conceder um desconto para aquele Estado ou município que possui saldo de suas dívidas superior ao que seria obtido se os débitos fossem corrigidos pela Selic desde a data da assinatura do contrato. Atualmente, os débitos são corrigidos pelo IGP-DI mais juros de 6%, 7,5% e 9%.
A maioria dos senadores acredita que a reforma do ICMS só andará se for reduzida a alíquota interestadual da Zona Franca de Manaus (ZFM), que foi mantida em 12% pela proposta aprovada na CAE. O senador Armando Monteiro (PTB-PE) apresentou uma emenda reduzindo a alíquota para 9%. A dificuldade é que o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), é o maior defensor da manutenção da alíquota de 12% para a ZFM e os seus colegas de partido não querem confrontá-lo.
O PMDB reuniu ontem a sua bancada no Senado para avaliar as mudanças no ICMS. Os senadores peemedebistas concluíram que não é possível aprovar a reforma sem garantias sobre três questões. A primeira é que o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) seja constituído, em sua maioria, por recursos orçamentários e não por financiamentos, como propôs o governo. A segunda é que todos os incentivos fiscais concedidos pelos Estados sejam convalidados. Por último, eles desejam a alíquota interestadual de 7% do ICMS seja aplicada a todas as operações originárias do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, ou seja, também ao comércio e aos serviços.
O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), disse que, sem essas garantias, a mudança nas alíquotas do imposto está “morta”. Ele lembrou que a medida provisória número 599 [que cria o fundo de compensação pelas perdas dos Estados com as mudanças no ICMS e de um fundo de desenvolvimento regional] deve cair, porque não há mais prazo.
Além disso, o senador disse que o governo sinalizou na segunda-feira passada que pode retirar o projeto de lei complementar que está na Câmara dos Deputados [que trata da renegociação da dívida dos Estados e da convalidação dos benefícios passados, mas no qual poderia ser incluído o fundo de compensação]. “Sem ele e a MP, também não existe o projeto de resolução número 1 [que muda alíquotas do ICMS’]”, disse Eunício.
O deputado Eduardo Cunha, por sua vez, disse que o governo “sinaliza que enterrou” a reforma do ICMS ao pedir a retirada do projeto de lei complementar que altera o indexador da dívida dos Estados com a União. Cunha é o relator do PL. Cunha não quis vincular a decisão a uma retaliação do Palácio do Planalto à sua atuação durante a votação da MP dos Portos.
O pemedebista foi apontado com um dos principais obstáculos para as negociações em torno do texto, ao tentar aprovar emendas que não tinham apoio do governo. “Não posso acreditar que se chegue a uma situação tão mesquinha como essa. Mesmo porque se a Medida Provisória dos Portos foi aprovada, contou com meu empenho”, declarou ao Valor PRO.
“Eu acho que o que governo está sinalizando é que ele não quer a reforma, que ele enterrou a reforma. Ou pelo menos está alardeando que quer enterrar a reforma para ver se busca um acordo”, opinou. Ele disse ainda que as mudanças em seu relatório foram feitas a pedido de Estados devedores e que a redução no estoque da dívida –que pode variar de 35% a 45% dependendo do contrato – faz parte dos próprios cálculos do governo.
Mesmo considerando que o governo “enterrou a reforma”, Cunha convocou, na qualidade de presidente da comissão especial que analisa a MP 599, reunião para votar o parecer do senador Walter Pinheiro (PT-BA). Ao mesmo tempo, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) protocolou projeto de lei complementar com o mesmo teor do parecer apresentado por Cunha. Projeto idêntico ao que o governo pretende retirar foi protocolado também pelo líder do PT no Senado, Wellington Dias (PI).