Preocupado com os frequentes atrasos no pagamento às empresas que exportam para a Venezuela, o governo brasileiro já prepara um plano para garantir a remuneração dos exportadores e, ao mesmo tempo, driblar a burocracia que enfrentam os importadores venezuelanos para obter dólares e pagar seus fornecedores no Brasil.
O Valor apurou que o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) quer utilizar recursos do Programa de Financiamento às Exportações (Proex), operado pelo Banco do Brasil, para financiar as exportações brasileiras à Venezuela. Pelo modelo proposto, o estatal Banco de Venezuela seria o tomador e garantiria a operação. A instituição repassaria os dólares diretamente ao exportador brasileiro, quitando o empréstimo com o Banco do Brasil de maneira parcelada.
O Mdic pretende, porém, que essa operação exima os importadores venezuelanos de passar pela Cadivi (Comissão de Administração de Divisas), o órgão que regula o câmbio no país. Busca-se, assim, uma via rápida para que os importadores obtenham dólares para pagar os exportadores brasileiros, que têm reclamado de atrasos. São justamente os atrasos nos repasses da Cadivi que têm deixado os compradores venezuelanos inadimplentes. No país, o câmbio oficial e controlado está a 6,30 bolívares por dólar. No paralelo, ilegal, a cotação ontem era de 54 bolívares.
Oficialmente, o Mdic confirma que discute com o país vizinho “a garantia de um banco oficial venezuelano às exportações brasileiras para aquele país, a fim de facilitar o pagamento dos exportadores brasileiros”. Mas não dá detalhes.
A proposta, ainda não formalizada, foi discutida durante visita do ministro Fernando Pimentel à Venezuela, em junho deste ano. Ela está sendo discutida pelo Grupo de Trabalho sobre Assuntos Econômicos e Comerciais, criado em junho e que integra técnicos do Mdic e do Ministério da Indústria da Venezuela. Os dois países pretendem assinar, em breve, um Memorando de Entendimento sobre Créditos para a Exportação.
A ideia do Mdic é que o montante a ser destinado para essas operações e os limites máximos sejam definidos pelo Cofig (órgão colegiado que trata dos financiamentos às exportações brasileiras).
A irregularidade nos pagamentos travou o comércio entre os dois países. Entre janeiro e setembro, as exportações brasileiras à Venezuela somaram US$ 3,124 bilhões, contra US$ 3,746 bilhões no mesmo período de 2012. O superávit recorde do ano passado, de US$ 4,059 bilhões, atrás apenas de Holanda e China, dificilmente será repetido ao final de 2013.
A situação de escassez – de dólares e produtos – agravou-se neste ano na Venezuela, que passou por duas eleições presidenciais entre outubro do ano passado e abril de 2013, esta última após a morte do presidente Hugo Chávez. A gastança nos períodos pré-eleitorais obrigou o presidente Nicolás Maduro a apertar os cintos, o que se refletiu em uma dificuldade dos importadores de obter divisas e quitar seus compromissos. Como o país – que obtém 96% de seus dólares com o petróleo – importa cerca de 70% de tudo o que consome, isso resultou em uma escassez de diversos produtos, de papel higiênico a autopeças.
A economia também sofreu. A inflação, que fechou 2012 em 20,1%, acumulou alta de 49,4% entre janeiro e setembro. E o PIB, que cresceu 5,5% no ano passado, deve aumentar 1% em 2013, segundo o Fundo Monetário Internacional.
Em maio último, o governo venezuelano admitiu que a Cadivi acumulava um atraso na entrega de US$ 8 bilhões a US$ 9 bilhões aos importadores locais. À época, a Câmara de Comércio Brasil-Venezuela (Cavenbra) estimava que, desse total, US$ 1, 5 bilhão eram referentes a exportações brasileiras.
A entidade não tem uma estimativa mais recente. Afirma que a situação melhorou com leilões de dólares promovidos pelo governo, mas diz que a inadimplência ainda é grande em setores nos quais os importadores são privados, como pneus, químicos e autopeças. Setores prioritários, como carnes, frango, açúcar e medicamentos, cujas importações são feitas em grande parte pelo governo socialista, têm sofrido menos com os atrasos.