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Mapeando um mundo sem fome - por José Graziano da Silva

Um sistema de governança fraco prejudica o crescimento e o uso sustentável dos recursos naturais.

Mapeando um mundo sem fome - por José Graziano da Silva

Amanhã, o Comitê de Segurança Alimentar Mundial se reunirá para aprovar diretrizes voluntárias para melhorar a forma como governos administram os direitos de acesso à terra, recursos pesqueiros e florestais. Será um marco para a posse e uso de recursos naturais e para a construção de consensos internacionais.

A erradicação da fome depende, em grande medida, de como as pessoas e comunidades têm acesso e manejam a terra, bosques e recursos pesqueiros. A pressão sobre esses recursos e sobre formas de posse aumentam à medida que novas áreas são cultivadas para alimentar uma população que cresce rapidamente, à medida que as áreas urbanas se expandem e como consequência da degradação ambiental, mudança climática e de conflitos.

Um sistema de governança fraco prejudica o crescimento econômico e o uso sustentável dos recursos naturais: agricultores familiares e comunidades tradicionais tem menos incentivos para investir em melhorias se podem perder a posse a qualquer momento devido à falta de reconhecimento dos seus direitos consuetudinários ou registros incompletos.

Por outro lado, a governança responsável possibilita o desenvolvimento socialmente, economicamente e ambientalmente sustentável que pode ajudar a erradicar a pobreza e a fome e encoraja investimentos responsáveis. “As Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Posse da Terra, Recursos Pesqueiros e Florestais em um Contexto de Segurança Alimentar Nacional” estabelecem mecanismos indispensáveis para resolver essas questões.

As diretrizes cobrem uma vasta gama de temas, incluindo a igualdade entre homens e mulheres no acesso à terra; a criação de sistemas de registro transparentes e acessíveis para a população rural pobre e o reconhecimento e a proteção de direitos informais e tradicionais de posse de terra, florestas e recursos pesqueiros.

Elas proveem um marco que governos podem utilizar para desenvolver suas próprias estratégias, políticas e legislação; entregam a investidores indicações claras de práticas aceitáveis.

As diretrizes voluntárias são o resultado de três anos de consultas e negociações que começaram na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO na sigla em inglês) e, em seguida, foram assumidas pelo Comitê de Segurança Alimentar Mundial, o principal e mais inclusivo foro internacional e intergovernamental que lida com segurança alimentar e nutricional. Ao redor do mundo foram realizadas 15 rodadas de consultas e as negociações envolveram cerca de cem governos, organizações não governamentais e da sociedade civil, iniciativa privada, organizações internacionais, associações de produtores e instituições acadêmicas e de pesquisa.

Esse processo participativo e dinâmico foi crucial para alcançar um consenso entre interesses díspares e, às vezes, conflitantes, incluindo temas sensíveis como a busca por um equilíbrio entre a necessidade de atrair investimentos em agricultura e resguardar os direitos, meios de vida e bem estar de comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares.

Uma vez aprovadas, o desafio será adaptar as diretrizes às características nacionais e implementá-las. Esse é um esforço no qual todos os setores envolvidos nas consultas e nas negociações terão um papel a desempenhar, contribuindo construtivamente a transformar essas diretrizes em políticas nacionais e melhorias concretas nas vidas de milhões de pessoas mundo afora.

A FAO está pronta para apoiar os países nesse processo, ajudando-os a desenvolver capacidades institucionais, prestando apoio técnico e orientações legais. A FAO também utilizará as diretrizes voluntárias como a base para nossas parcerias e fazemos um chamado a que todos nossos parceiros atuais e potenciais adotem-nas.

A erradicação da fome é um desafio complexo. Somente trabalhando juntos poderemos avançar. O resultado das negociações das diretrizes voluntárias mostra que é possível chegar a acordos sobre temas centrais à segurança alimentar e desenvolvimento econômico.

É nosso dever coletivo – de governos, ONGs e da sociedade civil, iniciativa privada, organizações internacionais, associações de produtores e instituições acadêmicas e de pesquisa – assegurar que o processo de colaboração construtiva que resultou na aprovação das diretrizes voluntárias dê frutos, promovendo uma governança consistente com as necessidades do século XXI e acesso equitativo aos preciosos recursos dos quais a segurança alimentar depende.

E enquanto o trabalho relacionado às diretrizes agora move-se em direção aos países, o nosso próximo desafio no nível global é claro: estabelecer princípios para investimentos agrícolas responsáveis.

É preciso um aumento substancial de investimentos agrícolas, revertendo uma tendência de queda acentuadas nas últimas décadas, para apoiar o setor nos países em desenvolvimento. Esses princípios ajudarão a assegurar que os investimentos atendam aos interesses e às necessidades de todos atores, contribuindo em vez de comprometendo a segurança alimentar.

O mesmo dialogo e processo colaborativo que culminará com a aprovação das diretrizes voluntárias deverá ser usado para debater os investimentos agrícolas e outros desafios relacionados à segurança alimentar e o desenvolvimento rural. O Comitê de Segurança Alimentar Mundial está bem posicionado para apoiar esse processo, oferecendo um foro no qual diferentes atores podem debater e alcançar consensos que o mundo precisa. Dessa forma, passo-a-passo estamos criando as bases para um mundo sem fome.

José Graziano da Silva é diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)