Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Papel & Celulose

Indústria de Celulose e Papel está entre as mais alinhadas à sustentabilidade

Martins: "Para enfrentar os desafios do cenário atual, as empresas serão obrigadas a inovar em todos os estágios da cadeia de valor".

Uma pesquisa realizada com 63 empresas filiadas à Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) revelou que o setor de celulose e papel está entre os três mais alinhados aos princípios de inovação para sustentabilidade, acompanhado pelo de energia elétrica e pelo automobilístico.

O levantamento, feito no ano passado, partiu do objetivo de verificar o grau de preocupação das organizações privadas em prol não só da sustentabilidade do próprio negócio, como também da economia e do planeta. Entre os demais resultados, a pesquisa apontou que 97% das empresas consideram importante inovar para buscar o crescimento sustentável.

Apesar dessa consciência, 70% dos participantes do estudo afirmaram que os investimentos em inovação com foco na sustentabilidade ainda não representam uma prática comum no setor privado. Para Jairo Martins, superintendente geral da FNQ, os números mostram que a maioria das organizações ainda ignora os transtornos que a ausência de práticas sustentáveis pode acarretar.

O surgimento de uma série de fenômenos – como crises financeiras, mudanças climáticas e questões socioambientais – tem desafiado e afetado a sociedade no século 21. “Tudo isso evidencia que o atual modelo de desenvolvimentoeconômico, baseado na cultura do consumo, é insustentável”, ressalta Martins. “É inevitável que esses fatores influenciem a dinâmica das organizações e que elas atuem levando em conta seus impactos no meio ambiente e na sociedade, com foco na sustentabilidade como um todo”, completa.

Ainda de acordo com Martins, não há dúvidas de que o mundo está caminhando para uma nova fase e precisa estar pronto para se adequar. Na Entrevista do mês, o executivo faz uma análise completa deste contexto atual e indica os caminhos para que os conceitos de sustentabilidade sejam efetivamente adotados para gerar os almejados e inadiáveis resultados.

O Papel – Como diferentes segmentos industriais podem chegar a práticas sustentáveis? Investimentos em inovação são a chave para atingir tal meta?

Jairo Martins – Para enfrentar os desafios do cenário atual, as empresas serão obrigadas a inovar em todos os estágios de sua cadeia de valor: desde a concepção de seus produtos e serviços, passando pela produção, até chegar ao cliente ou consumidor, que já vêm exigindo processos e negócios sustentáveis. As empresas – a começar por seus líderes e gestores – precisam internalizar a preocupação com a sustentabilidade, bem como a cultura da inovação. Vale destacar que o tema da inovação ainda está associado à pesquisa e desenvolvimento, além da tecnologia. As organizações, no entanto, precisam ter uma visão sistêmica de sua gestão e compreender que a inovação deve acontecer também na liderança, nas ações de marketing, no modelo de negócios, ou seja, na gestão como um todo. Assim, internalizar e associar a causa sustentável à cultura da inovação potencializa e torna mais eficaz e responsável o modelo de gestão.

O Papel – Há setores que dependem mais dessa atenção à sustentabilidade?

Martins – No sentido amplo do conceito, sustentabilidade pressupõe empresas economicamente saudáveis,ambientalmente corretas, socialmente justas e eticamente transparentes. No cenário global atual, todos os setores da economia são influenciados pelas mudanças socioeconômicas e ambientais. Logo, todos devem se preocupar com a questão da sustentabilidade, independentemente da área de atuação. No caso de estabelecermos prioridades, pode-se salientar a urgência das companhias no uso dos recursos naturais, no destino produtivo dos resíduos e no respeito ao consumidor. Esse, por sua vez, vai assumir o controle da cadeia produtiva, que deixa de ser linear e passa a ser cíclica.

O Papel – É possível afirmar que a indústria de celulose e papel se destaca entre esses segmentos mais “dependentes” de práticas sustentáveis e que, por esse motivo, é citada entre as mais alinhadas aos princípios de inovação para sustentabilidade?

Martins – Considerando o tipo de atividade que a indústria de papel e celulose desenvolve, muitas práticas focadas na sustentabilidade são, inclusive, exigidas por lei. Então, trata-se de uma demanda para o setor atuar de forma social e ambientalmente responsável. Isso com certeza impulsiona as empresas do setor a inovarem em sua gestão, pensando na sustentabilidade do planeta. Nesse segmento, o uso de recursos oriundos de reflorestamento para produzir papel já é, há muito tempo, uma realidade.

O Papel – Transmitir ao mercado a imagem de segmento industrial que se preocupa com a sustentabilidade pode ser uma boa estratégia comercial? Quais benefícios podem ser citados?

Martins – Pode ser uma estratégia comercial, sim, mas não basta transmitir tal imagem; é preciso internalizar a cultura da inovação para a sustentabilidade e promover uma inovação na gestão, engajando e mobilizando colaboradores para essa causa. Há muitas empresas que estão apenas trabalhando a imagem, praticando o que se conhece como “green washing”, isto é, “sustentabilidade cosmética”. Achar que a impressão de uma “folhinha verde” na embalagem do produto resolverá o tema da sustentabilidade é um engano. As empresas precisam enxergar que práticas sustentáveis reduzem os custos e aumentam receitas, melhorando a competitividade e a geração de valor para a sociedade.

O Papel – A desatenção ao desenvolvimento e ao fortalecimento da sustentabilidade pode levar a que consequências?

Martins – Se as empresas, os governos e a sociedade não passarem a se preocupar com a sustentabilidade, continuaremos vivendo em um modelo de desenvolvimento econômico insustentável, dominado pela cultura do consumo exagerado. Já chegamos a uma fase em que há tecnologias de mais no mercado e recursos de menos para produção e consumo. Saímos de uma era dos exageros e passamos a viver na era dos limites. A empresa que não incorporar a sustentabilidade a suas estratégias e aos seus processos está fadada ao insucesso. Estamos novamente alertando para o fenômeno da cadeia de valor cíclica, cujo poder sai da produção e da distribuição e passa para as mãos do consumidor. Ele vai decidir a compra, priorizando empresas sustentáveis.

O Papel – Apesar de a maioria dos participantes da pesquisa considerar a busca pela sustentabilidade fundamental, também a maioria admite que os investimentos em inovação com foco no crescimento sustentável ainda não é uma prática comum no setor privado. Quais motivos explicam esse paradoxo?

Martins – Os resultados da pesquisa mostram que as empresas ainda não perceberam o tamanho do problema da ausência da sustentabilidade, considerando o baixo índice de organizações que, de fato, investem em inovação para sustentabilidade. Em sua maioria, as organizações ainda estão pensando apenas no lado econômico imediato, e não no tripé da sustentabilidade, que demanda uma empresa economicamente sólida, socialmente correta e ambientalmente responsável.
Enquanto dominar o pensamento pelo viés econômico, cujo sucesso é medido pelo PIB, o atual modelo de desenvolvimento insustentável não vai mudar e não serão incluídas na pauta das organizações as questões socioambientais. A pesquisa revela que as empresas estão conscientes em relação à importância de inovar para a sustentabilidade. Enquanto, porém, essa questão (inovação para sustentabilidade) não fizer parte do planejamento estratégico nem se desdobrar em metas e bônus dos executivos e profissionais, o atual cenário não vai
mudar. Hoje, as empresas enxergam a sustentabilidadecomo um subconjunto da gestão, e não como parte integrante do processo de gestão como um todo.

O Papel – Essa postura tende a mudar nos próximos anos? Quais os caminhos para superar os desafios econômicos envolvidos nessa questão?

Martins – Não há dúvidas de que o mundo está caminhando para uma nova fase: saindo da cadeia de valor linear para a cadeia de valor cíclica. Os produtores devem atentar para o fato de que o consumidor vai querer saber a origem do produto, como é feito e o destino que terá quando não mais for útil. Existem, então, dois caminhos complementares para reverter esse cenário atual insustentável. Uma das alternativas é a transição para um modelo econômico sustentável, que pode ser feita ao repensar o cálculo do PIB, incluindo não somente as riquezas produzidas pelo país, mas também a gestão dos recursos naturais. Outro caminho deve ser trilhado pelas empresas, que terão de incluir práticas efetivas de sustentabilidade em toda a sua cadeia produtiva e no relacionamento com seus públicos de interesse. Ao contrário do que parece, porém, praticar ações sustentáveis não significa aumentar o custo do produto, mesmo com a inclusão das despesas ambientais. Simples atitudes podem contribuir com o meio ambiente e até tornar a empresa mais competitiva no mercado. A transição para uma economia mais verde também vai levar as empresas a promover a inovação da gestão para a sustentabilidade. Além de fabricar os mesmos produtos sem poluir e substituir seus materiais por outros mais sustentáveis, a organização terá ainda de criar um ambiente propício ao surgimento de novas ideias em todas as áreas da companhia. Enquanto esse engajamento não fizer parte do cotidiano de todas as instituições – sejam públicas, sejam privadas -, continuaremos num ciclo econômico insustentável, comprometendo o futuro desta e da próxima geração.