A expressiva redução da colheita nos Estados Unidos, prejudicada pela mais severa estiagem no país em pelo menos 50 anos, e as perspectivas de forte recuperação na América do Sul após a seca que marcou a safra passada deverão conferir a Brasil e Argentina um peso inédito no mercado global de soja nesta temporada 2012/13.
De acordo com estimativas divulgadas ontem pelo Departamento da Agricultura dos EUA (USDA), se o clima permitir os dois países sul-americanos serão diretamente responsáveis por um incremento de 8,9% na produção mundial de soja em grão em relação ao ciclo 2011/12, para 258,1 milhões de toneladas. E o Brasil assumirá, pela primeira vez, a liderança da produção e das exportações da oleaginosa, postos historicamente ocupados pelos americanos.
Assim, a participação do Brasil na produção global aumentará de 28%, em 2011/12, para 31,4% em 2012/13. Confirmadas as expectativas do USDA, que estão em linha com projeções de consultorias privadas brasileiras, a fatia da Argentina passará de 17,3% para 21,3% e, juntos, os dois países representarão mais da metade (52,7%) da colheita do grão em 2012/13, ante 45,3% no ciclo anterior. O quinhão dos EUA cairá de 35,1% para 27,8%.
Nas exportações globais, projetadas em 93,7 milhões de toneladas em 2012/13, 4,1% acima de 2011/12, o avanço sul-americano é mais agudo. O USDA passou a prever que os embarques brasileiros crescerão 9,2%, para 39,1 milhões de toneladas (41,7% do total), e que os argentinos vão aumentar 73,1%, para 13,5 milhões (14,4% do total). Como as vendas de soja em grão dos EUA ao exterior deverão cair 18,4% em 2012/13 na comparação com a temporada anterior, para 30,2 milhões de toneladas, a participação dos sul-americanos nas exportações totais crescerá de 48,4% para 56,1% e a americana diminuirá de 41,1% para 32,2%.
Mais do que uma mera curiosidade estatística, essa transferência de forças do Hemisfério Norte para o Hemisfério Sul provoca mudanças no “calendário” de negociações e comercialização do produto e amplia o poder de barganha de Brasil e Argentina. Neste ano, por exemplo, os dois países, apesar das quebras de suas próprias safras, foram beneficiados, com prêmios polpudos, pela aceleração das importações da China no primeiro semestre, já que as perspectivas de que a atual safra americana seria menor que a prevista amplificou os temores de escassez do grão no mercado internacional.
A China, por sinal, seguirá como o grande monolito a pesar no prato da demanda. Conforme o USDA, as importações do país alcançarão 59,5 milhões de toneladas em 2012/13, ou 64,8% do volume total previsto (91,8 milhões). Em 2011/12, foram 58 milhões de toneladas, ou 63,9% de um volume global de 90,8 milhões. Não por acaso, portanto, os chineses elevaram investimentos em infraestrutura na América do Sul nos últimos anos. Em muitos negócios, o retorno desses aportes é justamente a garantia de oferta de grãos.
De acordo com os pesquisadores Ignez Lopes e Mauro de Rezende Lopes, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), tamanha concentração ainda não é motivo para preocupações exageradas, mesmo em tempos de desaceleração do crescimento da economia chinesa. Em recente entrevista ao Valor, eles lembraram que os aumentos de renda e urbanização chinesas se refletem em uma dieta mais rica em proteínas animais, e que a produção de carne depende de rações em parte produzidas com farelo de soja, além de outros insumos.
No relatório que divulgou ontem, o USDA estima preços internacionais médios elevados para a soja em grão em 2012/13. A banda prevista para o ciclo permaneceu entre US$ 15 e US$ 17 por bushel (medida equivalente a 27,2 quilos). Ontem, na bolsa de Chicago, os contratos para novembro fecharam a US$ 17,4575 por bushel, numa alta de 44,25 centavos definida, basicamente, pelos cortes efetuados pelo USDA para a produção e as exportações dos EUA em relação às projeções de agosto.