A atual safra de milho, se confirmadas as previsões do governo, deve atingir recorde de exportações. Para entender um pouco melhor se isso é, realmente, bom ou se existe algum risco para o país em termos de abastecimento interno, o Grão em Grão conversou com o pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo Rubens Augusto de Miranda, da área de economia agrícola. Confira, a seguir.
Grão em Grão: Os números da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) mostram que, mesmo com expectativa de grande aumento nas exportações de milho nesta safra, não há risco de desabastecimento interno de milho. Não há risco de outros fatores interferirem nessa equação no sentido de aumentar o preço do produto em outras partes da cadeia produtiva, como a indústria de aves e suínos?
Rubens Miranda: Por melhores que sejam as expectativas de exportação de milho, devido à grande safra brasileira deste cereal, os estoques de passagem aumentarão, ultrapassando 13 milhões de toneladas, o que é um recorde histórico. Nesse sentido, olhando em termos agregados, não há risco de desabastecimento interno. O problema são os desequilíbrios regionais no Brasil: a produção de milho é superavitária em algumas regiões (Centro-Oeste) e deficitária em outras (Nordeste).
No momento atual, vários estados do Nordeste têm sofrido com a falta de milho, assim como o Rio Grande do Sul e Santa Catarina (em decorrência da quebra de safra que os estados da região Sul tiveram no início do ano). Para a equalização dos desequilíbrios regionais, a Conab realizou uma série de leilões de frete para escoar a safrinha recorde do Centro-Oeste para os estados deficitários. A questão é que tais leilões ocorreram em um momento de baixa de preços no mercado de milho, com a expectativa de uma safra recorde nos Estados Unidos e no Brasil.
A quebra da safra norte-americana levou a uma situação inusitada no mercado interno de milho: safra recorde com preços recordes. A alta dos preços do milho levou a uma quebra generalizada de contratos com a Conab, devido ao seguinte raciocínio: “Por que levar o milho para o Nordeste e receber R$ 15,00 se posso levar para algum porto e receber R$ 35,00?”. A dificuldade de escoar o milho para as regiões que precisam tem levado ao desabastecimento do grão nesses locais e deixado o preço do milho excessivamente alto para o nível de estoques. De mãos atadas frente ao desrespeito aos seus contratos, a Conab tem justificado que as dificuldades no transporte do milho decorrem de fatores alheios à vontade da empresa e enfatiza que todos os esforços estão sendo realizados em busca de soluções rápidas e efetivas.
Grão em Grão: Esse grande aumento das exportações, se confirmado no final da safra, será apenas por conta dos problemas climáticos pelos quais os Estados Unidos passam? Ou existem outros fatores importantes nesse sentido?
Rubens Miranda: Ao longo dos últimos anos, o consumo doméstico de milho pelos Estados Unidos tem aumentado acentuadamente em decorrência da utilização do grão para a produção de etanol. Tal fato tem levado a uma diminuição da participação dos Estados Unidos no mercado internacional de milho. Esse “espaço” vem sendo ocupado por três países: O Brasil, a Ucrânia e a Argentina.
Desde 2007, o Brasil vem diversificando o destino de suas exportações de milho, angariando novos mercados, anteriormente de exclusividade norte-americana. O aumento substancial das exportações brasileiras que estamos observando se deve, basicamente, à seca nos Estados Unidos, pois, se eles estivessem colhendo os 376 milhões de toneladas projetadas no início da safra, não estaríamos vivenciando um boom de exportações.
O Brasil deve aproveitar a oportunidade para tentar se estabelecer nos mercados para os quais está exportando. Entretanto, para isso é necessário se tornar um exportador confiável, ou seja, que não dependa de uma safra excepcional para ter milho disponível para venda externa.
Grão em Grão: Para o produtor rural, do ponto de vista de mercado para a próxima safra, deve ser um bom negócio aumentar a área plantada com milho? Ou seja, o mercado externo provavelmente continuará precisando de milho (e, nesse caso, o brasileiro participaria com parcela cada vez maior)?
Rubens Miranda: A previsão do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) de quebra na produção de milho de 40 milhões de toneladas em relação à safra anterior, que já foi insuficiente para sustentar os estoques, é considerável e o país precisará de uma ou duas boas safras seguidas para se recuperar. Por causa disso, a demanda externa ainda deverá pressionar o mercado brasileiro de milho nas próximas safras.
Apesar desse bom cenário para os produtores brasileiros, é preciso ter em mente que também existem outras opções. Assim como o milho, a soja também passa por um momento de alta nos preços, pois também sofreu com seca nos hemisférios Norte e Sul. Além dos preços, uma série de fatores, como a maior liquidez, faz com que a soja seja mais atrativa que o milho em algumas regiões do Brasil.
No Rio Grande do Sul e no Paraná, por exemplo, o milho deverá perder espaço para a soja na próxima safra verão. Por outro lado, o aumento da área plantada com soja no verão cria a possibilidade de aumento da área disponível para plantio de milho na segunda safra no próximo ano agrícola.