O Brasil pode assumir a liderança em biocombustíveis para aviação, a exemplo do protagonismo que conquistou no setor automobilístico, em que se tornou um dos primeiros países do mundo a ter sua frota de veículos automotivos abastecida e movida a biocombustível.
Entretanto, o país terá que superar diversos obstáculos de ordem científica, tecnológica, de produção agrícola e de políticas públicas, entre outras, por meio da articulação de empresas do setor aeronáutico e de biotecnologia com instituições de pesquisa, governo, integrantes da cadeia de produção de biocombustíveis e representantes da sociedade civil.
A avaliação foi feita por participantes da Conferência sobre Biocombustíveis para Aviação no Brasil, aberta no dia 11 de setembro na sede da Embrapa, em Brasília (DF), com o objetivo de discutir sobre a viabilidade técnica e financeira e o atual estágio das pesquisas realizadas no Brasil sobre biocombustíveis que possam substituir o querosene em aviões comerciais.
A programação do evento é composta pelo Simpósio Nacional de Biocombustíveis de Aviação e pelo 5º Workshop do Projeto Biocombustíveis Sustentáveis para a Aviação no Brasil, promovido pela FAPESP, Embraer e Boeing, que ocorre até a próxima sexta-feira (14/09) em Brasília.
O evento integra uma série de oito workshops previstos no acordo firmado entre a FAPESP, a Embraer e a Boeing em outubro de 2011, com o objetivo de estabelecer um centro de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis para aviação comercial no Brasil envolvendo as três instituições e baseado no modelo dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP, voltados para realizar pesquisas na fronteira do conhecimento.
O setor de aviação, que contribui com 2% das emissões totais de gases de efeito estufa no planeta, está enfrentando o desafio de reduzir pela metade a emissão de CO2 em 2050, em comparação com 2005, e se tornar neutro carbono até 2020, conforme estabeleceu a Associação de Transporte Aéreo Internacional (Iata, na sigla em inglês).
De modo a reduzir o consumo e, por conseguinte, as emissões de gases de efeito estufa, os fabricantes de aviões vêm tentando aumentar nos últimos anos a eficiência operacional de suas aeronaves por meio do desenvolvimento de motores mais modernos e eficientes e de otimizações aerodinâmicas, utilizando, por exemplo, estruturas e ligas metálicas mais leves no projeto dos jatos.
Entretanto, com a forte expansão do transporte aéreo e o aumento da frota de aviões em circulação no mundo, essas medidas têm sido insuficientes.
“Todo o esforço que temos feito na otimização do consumo de combustível e na utilização das aeronaves não será suficiente. O único caminho que devemos seguir é em direção aos biocombustíveis”, disse Emílio Matsuo, vice-presidente e engenheiro-chefe da Embraer.
Contudo, segundo Matsuo e outros representantes do setor de aviação presentes no evento, o grande desafio científico e tecnológico é desenvolver um biocombustível a partir de qualquer biomassa que seja produzida em escala comercial e tenha um custo competitivo e que possa ser misturado ao querosene de aviação convencional na proporção de até 50%, sem a necessidade de realizar modificações nos motores e nas turbinas da atual frota de aeronaves que circula pelo mundo.
Entretanto, de acordo com especialistas no setor, apesar de já existirem biocombustíveis produzidos no exterior a partir de diferentes biomassas – que inclusive já obtiveram certificação para serem utilizados na aviação e vêm sendo usados em voos de teste e até mesmo comerciais -, eles ainda não são produzidos em grande escala e chegam a ser até 100% mais caros do que o querosene de aviação.
A companhia aérea alemã Lufthansa, por exemplo, adicionou 50% de bioquerosene feito com óleo de pinhão-manso ao combustível de origem fóssil utilizado em seus voos regulares entre Berlim e Frankfurt durante seis meses. Mas, depois de operar mais de mil voos com a mistura, interrompeu a iniciativa devido a falta do produto renovável no mercado.
“Até 2011, já houve em todo o mundo cerca de 300 iniciativas voltadas a utilização de biocombustíveis em aviação, como voos experimentais e de demonstração e projetos como este, entre a FAPESP, a Boeing e a Embraer. Esse movimento é mais intenso do que se observa em outros segmentos do setor energético, como o de energia eólica, por exemplo”, afirmou Luiz Horta Nogueira, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), de Minas Gerais.
Mas, de acordo com Nogueira, o que mais surpreende nas iniciativas de se utilizar biocombustíveis na aviação no mundo é o fato de que as matérias-primas que estão sendo utilizadas para essa finalidade não sejam originárias do Brasil, que é referência em biocombustíveis.
“Não faz nenhum sentido países europeus terem companhias aéreas realizando mais de 1,4 mil voos comerciais utilizando biocombustível preparado na Finlândia, com matéria-prima asiática. O Brasil tem uma liderança e pode ter um papel importante na construção de um mercado de biocombustível sustentável”, avaliou Nogueira.
Diversidade de matérias-primas – Segundo especialistas presentes no evento, existe no Brasil uma série de matérias-primas provenientes de oleaginosas, de fibras e resíduos, entre outras, que se mostram promissoras para a produção de bioquerosene.
A Embrapa, por exemplo, está realizando pesquisas para domesticação do pinhão-manso e começou a estudar o babaçu, cujo óleo é composto por ácidos com cadeias de carbono ideais para o desenvolvimento de um biocombustível para aviação.
Associadas às tecnologias que podem ser utilizadas para produção de biocombustíveis, de acordo com os pesquisadores da área, essas matérias-primas formam uma matriz de rotas tecnológicas que torna bastante complexa a tomada de decisão sobre qual ou quais devem ser seguidas.
“Teremos que desenvolver uma metodologia que aponte não qual a melhor das alternativas para desenvolver um biocombustível para aviação, mas sim que indique o ponto forte de cada uma delas e as lacunas que apresentam em termos de pesquisa para melhorar sua produção bioativa”, disse Luís Augusto Barbosa Cortez, coordenador-adjunto de Programas Especiais da FAPESP e um dos coordenadores do projeto.
De acordo com o pesquisador, a nova indústria que deverá surgir no Brasil voltada para a substituição de querosenes fósseis utilizados na aviação guardará semelhanças, mas não terá nenhuma relação com a indústria do etanol de cana-de-açúcar e a de biodiesel, já consolidas no país.
“Estamos construindo uma nova indústria no Brasil, que envolve tecnologias que o país domina e outras que ainda não e que apresenta enormes desafios de pesquisa que justificam o envolvimento da FAPESP, de forma determinante, neste projeto”, afirmou.
O presidente da FAPESP, Celso Lafer, ressaltou que a FAPESP tem se preocupado e se dedicado a apoiar programas de pesquisa que tornem viável o desenvolvimento de energias renováveis.
Um exemplo da preocupação da instituição com essa questão, de acordo com Lafer, foi a criação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), que reúne mais de 300 cientistas brasileiros, sendo a maioria atuantes em universidades e instituições de pesquisa no Estado de São Paulo, além de 60 pesquisadores de diversos outros países, e cujo acordo com a Embraer e a Boeing é parte integrante.
“Por conta dessa preocupação da FAPESP com a questão das energias renováveis, tivemos muita satisfação de criar uma mecanismo de cooperação e entendimento com a Boeing e a Embraer, voltado para o tema de biocombustíveis, que representa um horizonte importante para o nosso país e para o futuro das energias renováveis”, disse Lafer.
Por sua vez, Al Bryant, vice-presidente da Boeing Tecnologia e Pesquisa, avaliou que a criação de um centro de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis para aviação representa uma oportunidade única para o país.
“O Brasil poderá inovar não só regionalmente, mas também em escala global, assumindo uma posição de liderança em biocombustíveis para aviação e assegurando essa conquista por gerações”, avaliou.