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Infraestrutura

Concessão de ferrovias: o prazo não justifica tudo

Os planos apresentados pelo governo federal demonstram consistência conceitual, na busca de logística multi-modal que traga ao país maior competitividade.

Concessão de ferrovias: o prazo não justifica tudo

O Programa de Investimento em Logística, Rodovias e Ferrovias, recentemente anunciado pelo governo federal, vai “no caminho certo”, na medida em que, de forma estruturada, contempla a multimodalidade e pretende dotar o Brasil de malhas ferroviária e rodoviária compatíveis com o potencial de crescimento do país, hoje limitado pela logística e por outros fatores. São previstos investimentos totais de R$ 133 bilhões, sendo R$ 79,5 bilhões nos próximos cinco anos e o restante no horizonte de 20 a 25 anos. Neste total, cabe à ferrovia R$ 91 bilhões, sendo R$ 56 bilhões em cinco anos.

Com o objetivo de viabilizar investimentos, inclusive por meio de parcerias público-privadas, de otimizar a exploração da malha e de expandir a capacidade de transporte, o plano prevê 12 diferentes empreendimentos e busca a redução de tarifas. Sobre este último item, vale observar que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), ainda considerando apenas o modelo de concessão vigente, reduziu o teto de tarifas ferroviárias, com validade a partir do dia 25 de setembro deste ano.

Alguns poderão dizer que o governo não criou nada, em termos de planejamento, apenas consolidou necessidades, que há muito tempo são claras para a comunidade de especialistas em transportes. O fato é que consolidar já é um bom e meritório trabalho. Se o plano é bom, os prazos são ousados, pois os estudos devem estar prontos entre dezembro deste ano e fevereiro de 2013.

Neste contexto, questão relevante é a recente notícia de que a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), controlada pela Vale, pretende compensar obrigações não cumpridas em seu contrato de concessão (relativas à prestação do serviço, recuperação de trechos e obras) com a execução dos estudos de engenharia, viabilidade econômico-financeira e impacto ambiental para os empreendimentos previstos nos planos de concessão, recentemente divulgados.

Como primeira pergunta decisiva, cabe saber se tais estudos abrangerão os empreendimentos localizados nas linhas e região hoje concedidas à FCA ou todo o plano anunciado pelo governo. Na segunda hipótese, a nosso ver, fica a preocupação de que os futuros estudos contemplem os interesses da própria Vale, mais que o desejável. Assim, se o governo acerta ao alterar o modelo de concessão, que deixa de colocar sob a mesma concessionária via e trens, favorecendo a competição e o interesse logístico do Brasil, pode estar se equivocando ao permitir que um grupo econômico detalhe projetos de amplo interesse nacional.

Na primeira hipótese, qual seja, os estudos propostos abrangeriam apenas a atual concessão da FCA, ainda assim cabem ponderações. É certo que a legislação atinente às Parcerias Público Privadas (PPPs) permite que a iniciativa privada manifeste interesse em empreendimentos, os modele e, caso não seja vencedora da futura licitação, seja ressarcida dos custos incorridos. Assim, no caso em pauta, estes custos poderiam não ser ressarcidos, tornando-se contrapartida pelas citadas inexecuções, caso a própria FCA não venha a ser vencedora da licitação, cujos estudos de referência foram desenvolvidos pela FCA.
 
Ocorre, contudo, que a legislação também prevê que seja aberta oportunidade, por meio de avisos públicos, para que terceiros empreendedores igualmente possam formular suas modelagens para consequente seleção da melhor proposição pelo poder concedente. Assim, resta saber como terceiros poderiam competir na apresentação de investimentos no trecho concedido a FCA e, no limite, se a FCA aceitaria dar ampla divulgação de seus dados, como subsídio para proposta alternativa, e se terceiros poderiam empreender em área já concedida.

Mesmo na hipótese de execução exclusivamente de estudos de engenharia, com efetiva implantação futura via dotação pública, cabe discutir a base legal para a contratação destes estudos sem licitação, no caso de implantação fora da área da concessão atual. Assim, restaria somente a alternativa do reequilíbrio contratual para a realização de estudos no trecho atualmente concedido.

Como já dissemos, os planos apresentados pelo governo federal demonstram consistência conceitual, na busca de logística multi-modal que traga ao país maior competitividade e desenvolvimento econômico. Em paralelo, é provável que a execução dos estudos por empresa privada resulte em menor prazo. Há quem afirme que também com maior qualidade, o que já não concordo.

O governo federal e respectivas agências, malgrado alguma carência de meios, contam com profissionais com formação e especialização de nível. No entanto, apesar do argumento do prazo, cabe à ANTT ponderar se a urgência justifica o caminho proposto.

Telmo Giolito Porto é professor-doutor pela Escola Politécnica da USP.