Após redução, ano a ano, desde 2002, a média de tarifas de importação aplicadas no Brasil voltou a crescer desde a crise financeira iniciada em 2007, e chegou, em 2011, ao maior patamar dos últimos nove anos, segundo levantamento do Ministério do Desenvolvimento, a pedido do Valor. A tarifa é um dos principais indicadores de protecionismo, política que, para boa parte dos analistas, aumentou no Brasil após a crise. O tema é polêmico, porém, e, segundo integrantes do governo e analistas independentes, as medidas do Brasil nem sequer compensam o desequilíbrio nos mercados com a desvalorização de moedas como o dólar, o yuan e o euro.
Dados da Organização Mundial de Comércio (OMC), com as tarifas médias de importação ponderadas pelo volume de comércio de cada produto, mostram que a elevação do custo das importações começou até antes da crise: o Brasil passou de uma tarifa média ponderada de 8,48% em 2004 para 8,7% em 2005; e saltou de uma tarifa média de 9% em 2007 e 9,05% em 2008 para a média de 10,26% em 2009, até chegar a 10,61% no ano passado. Em todos os cálculos, a tarifa média está, hoje, pouco acima do patamar em que estava em 2002.
Um dos raros estudos comparativos internacionais, realizado pela independente Global Trade Alert (GTA), para orientar as discussões do G-20, o grupo das maiores economias mundiais, aponta o Brasil entre os maiores usuários de medidas de proteção à indústria. Só oito países do globo, desde 2008, teriam editado mais medidas capazes de prejudicar importações em favor da indústria nacional, diz o GTA.
A contabilidade do GTA inclui, porém, medidas que não podem ser consideradas claramente protecionistas, como as ações de defesa comercial, que, embora imponham restrições e sobretaxas a produtos importados são dirigidas contra produtos beneficiados por subsídios ou preços artificiais, em desacordo com as regras da OMC. Nem sempre o uso de medidas antidumping (contra preços abaixo do normal nas importações) é guiado por critérios puramente técnicos, mas a seriedade da atuação do Brasil é reconhecida internacionalmente, como mostra a ausência de contestação às medidas brasileiras na OMC.
Das 443 petições de medidas de defesa comercial feitas pelo setor privado desde 2005 até o primeiro semestre deste ano, 191 levaram a investigações e 193 foram indeferidas ou retiradas pelos peticionários (outras 56 estavam em análise). O cuidado dos técnicos levou a repetidas queixas do setor privado contra a lentidão do governo, até que, em 2011, com o Plano Brasil Maior, o governo mudou regras para agilizar e encurtar prazos desses mecanismos (o que incluiu exigência de mais dados e justificativas nas petições dos empresários contra importações).
Dos 430 processos de investigação abertos de 2005 até junho de 2012, 145 terminaram sem aplicação de medida contra importações. No ano de 2011, o primeiro do mandato de Dilma, houve o maior número de medidas impostas definitiva ou provisoriamente dos últimos 25 anos: 28 casos de sobretaxas a importados. Nesse ano, foram rejeitadas 14 petições, o segundo maior número de rejeições desde 1988.
Embora a metodologia do GTA seja contestada por muitos especialistas por reunir medidas de alcance e efeitos diversos em uma mesma estatística, o autor dos estudos, Simon Evenett, defende seu cálculo por registrar medidas contra importações com potencial discriminatório, quantidade de produtos e países afetados e de setores nacionais beneficiados. Das 233 regiões monitoradas, 192 têm desempenho melhor que o Brasil em todos esses pontos, calcula Evenett. Dados do GTA foram usados pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em viagem a Londres, em setembro, para mostrar que, no saldo entre medidas protecionistas e medidas liberalizantes, o Brasil está atrás de 11 países, entre eles China, Índia, Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra.
“O Brasil pecou, muitos países pecaram bem menos, uns poucos pecaram mais”, reagiu Evenett, ao comentar, em nota, as declarações de Mantega.
O governo argumenta que, nos últimos anos, tem reduzido em grande quantidade tarifas de importações que vieram ao Brasil em grande volume, como os equipamentos para novas fábricas de montadoras de automóveis, entre elas a Nissan, beneficiados pelo mecanismo de ex-tarifário, que diminui temporariamente o imposto sobre importados. Entre 2008 e 2011, anos de crise internacional, o Brasil autorizou redução em 2.986 itens, 2,5 mil só em 2011. Em 2012, a lista já soma 2,1 mil.
“Após a crise de 2008, os países desenvolvidos saíram na frente em medidas protecionistas, com aumento de tarifas e defesa comercial, mas o Brasil logo acompanhou”, diz o economista Ivan Tiago Machado Oliveira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que não hesita em afirmar que o país ficou mais protecionista. “O problema maior é que os setores beneficiados por medidas são os mesmos que recebem proteção desde a década de 70”, aponta.
Em um ponto analistas privados concordam: nos últimos dois anos, o governo federal passou a defender mais abertamente a proteção à indústria nacional, a ponto de adotar medidas que contrariam as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Está nessa categoria o aumento do IPI decretado no ano passado para automóveis sem percentual mínimo de conteúdo nacional. Diferenciar, na tributação interna, entre produtos importados ou produzidos localmente é discriminação inaceitável para a OMC.
O anúncio recente de aumento de tarifas de importação para 200 produtos, embora dentro dos limites definidos na OMC é condenado pelos que veem um aumento do protecionismo no Brasil. “Há aumento de tarifa para produtos intermediários, que afeta o custo de produção no Brasil e reduz a competitividade”, critica a economista Sandra Rios, do Centro de Estudos de Integração e desenvolvimento (Cindes). “É uma política que parece mais voltada para atender à pressão de grupos específicos”, diz ela. “Não se mostra caminho de saída e a proteção tende a se perpetuar.”
A adoção de exigências de conteúdo nacional, embora promovida por vários governos, também sujeita o país a contestação na OMC. Em Genebra, diplomatas acompanham com interesse o caso aberto por Japão e União Europeia contra exigências de conteúdo local no programa de incentivo a energia renovável da a província canadense de Ontário. Há indicações de que os árbitros da OMC considerarão ilegais as exigências canadenses.