Brasília, 1957. Cinco famílias de imigrantes japoneses chegam ao Brasil e se transferem, a pedido do governo, para propriedades em uma área próxima à Brasília. Por determinação do presidente Juscelino Kubitschek, na época grandes extensões de terra no Distrito Federal foram desapropriadas e concedidas para agricultores com o objetivo de garantir o abastecimento de alimentos na futura capital nacional, que seria inaugurada em 1960.
Em maio daquele ano, o presidente da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), Israel Pinheiro, embarcou em um voo de reconhecimento da região com representantes das cinco famílias. Após uma hora, o patriarca da família Kanegae não se conteve: “Mas a terra é muito ruim”, disse, para Pinheiro emendar: “Se fosse boa, não precisava de japoneses”.
Começava ali a história de sucesso que transformou a agricultura do Distrito Federal em uma das mais eficientes do país. Em uma área de plantio pequena – o DF como um todo tem 580 mil hectares, ante os 27 milhões que serão ocupados apenas pela soja no país nesta safra 2012/13 -, a produção local se destaca pela produtividade, que supera a de praticamente todos os Estados brasileiros em boa parte das lavouras de grãos ou de hortaliças e frutas.
Conforme a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF), a produtividade local é três vezes superior à média nacional no caso do feijão irrigado, 76% maior no milho, 65% no sorgo e 6% na soja. Nas quatro culturas, é a primeira colocada em rendimento no país.
Grande parte desse êxito veio de uma série de ações de apoio do governo para o desenvolvimento da atividade na região. “Todas as condições para a evolução da agricultura foram dadas. O governo fomentou o crédito, disponibilizou insumos, forneceu maquinário, pesquisa agropecuária, assistência técnica e o mercado consumidor, a futura capital”, diz o secretário de Agricultura do Distrito Federal, Lúcio Valadão.
“A alta tecnologia, aliada ao clima regular, com estações secas e chuvosas bem definidas, o apoio da Embrapa e da Emater e mesmo a construção de uma fábrica de calcário para corrigir a acidez do solo deixaram a agricultura com um papel relevante na consolidação da capital”.
Mas há problemas. Apesar de contar com polos de excelência, sobretudo nas cidades de Planaltina e Taguatinga e no Programa de Assentamento Dirigido do DF (PAD-DF), parte da área inicialmente destinada à produção agrícola está sendo loteada irregularmente e perdendo espaço para condomínios residenciais construídos em terras da União. Além disso, devido ao alto índice de urbanização de Brasília, produtores reclamam da falta de mão de obra.
Segundo a Secretaria de Estado da Ordem Pública e Social do Distrito Federal (Seops), a área é pública, destinada à produção rural e não é passível de regularização, mas alguns produtores preferem lotear e vender a terra, de propriedade da União ou do Governo do Distrito Federal.
Para tentar frear a ocupação irregular de terras públicas, o governo do Distrito Federal está revendo todos os contratos de concessão de terras assinados após a criação de lei das licitações (8.666/1993). Até agora, 2,5 mil produtores já pediram renovação da concessão por mais 30 anos, e 250 já foram atendidos.
O passivo hoje é de quase 6 mil propriedades. “São 3 mil contratos antigos e 3 mil que estão ocupando sem contrato. Isso equivale a 150 mil hectares. Os produtores que não possuem documentação não conseguem crédito, pois não podem dar a terra como garantia”, disse Valadão.
Para tentar escapar de uma rodada de licitações, foi aprovada a lei 12.024/2009, que permite ao governo vender ou licitar sem pregão as terras ocupadas por pelo menos cinco anos anteriores à publicação do texto. Com a medida, os ocupantes de propriedades há muitos anos estão conseguindo novos contratos.
O modelo de ocupação do DF foi idealizado em núcleos rurais e colônias agrícolas, que tinham escolas, postos de saúde, mercados, igrejas e infraestrutura. Assim, em 2010, em uma área total de 7 mil hectares, o segmento de hortaliças produziu 207 mil toneladas, firmando-se como atividade agrícola local mais empregadora, com cerca de 30 mil empregos diretos e 10 mil indiretos.
Enquanto pequenos produtores fazem a colheita e se encarregam da venda de seus produtos em feiras, o cooperativismo também ganha força. Na Cooperativa Agrícola da Região de Planaltina (Cootaquara), por exemplo, são 233 agricultores associados.
Com tecnologia de ponta, como estufas com irrigação controlada por computador, a associação, de Taguatinga, iniciou as atividades em janeiro de 2001 e hoje é uma das maiores produtoras de pimentão do país. Emprega 54 funcionários e tem oito caminhões para entregas.
“Noventa e oito por cento dos nossos cooperados trabalham com o sistema de gotejamento, em que um computador regula a irrigação. Com nossa escala de produção, 19% das sementes de pimentão importadas pelo Brasil são usadas aqui”, disse o superintendente da Cootaquara, Maurício Severino de Rezende.
No ano de sua fundação, os 22 primeiros cooperados da Cootaquara produziram 70 toneladas no total. Neste ano, o volume atingiu 400 toneladas mensais, de 40 tipos de legumes e oleaginosas. A associação faturou R$ 12 milhões em 2011 e prevê lucrar R$ 13 milhões em 2012.
A cooperativa também produz repolho, berinjela, tomate, pepino e abóbora, mas o pimentão é o destaque. “Cerca de 40% do nosso faturamento vem do pimentão. A produtividade chega a 800 caixas de 10 quilos por mil plantas em estufa, a maior do país”, afirmou Rezende. A área média das propriedades é de 20 hectares, mas a maioria dos produtores também cria animais.
Ao todo, os cooperados têm mais de mil estufas de 350 metros quadrados, em que são cultivados, quase exclusivamente, pimentões. As estruturas possuem irrigadores controlados automaticamente por uma central. “O investimento em cada estufa fica perto de R$ 5 mil. Com ela, são colhidas, em média, 700 caixas de 10 quilos por mil plantas. Há quem consiga até mil. Sem a estufa, a produção seria de 300 caixas”, disse.
Na década passada, o pimentão consumido em Manaus era enviado pelos produtores do DF, por avião, ao Norte do Brasil. Hoje, distribuidoras de Anápolis, em Goiás, fazem grande parte desse trabalho. Mas os agricultores ainda respondem por grande parte das vendas de grãos e aves a outros Estados e ao exterior. No caso das hortaliças, dependendo da época, a região é deficitária em relação ao consumo, mas no geral grande parte é enviada para Goiás.
“A produção de folhosas abastece o consumo do Distrito Federal. Antigamente, a importação era maior em algumas épocas do ano, mas o uso de tecnologias como estufas e irrigação por gotejamento permite produção o ano inteiro”, disse Carlos Banci, agrônomo da Emater-DF.
Segundo ele, o DF perdeu a autossuficiência em algumas culturas que demandam grandes extensões de terra, como cenoura, cebola, batata e tomate. “Mas a produção de grãos é grande e temos mais de 100 mil hectares plantados. Mesmo usando milho para ração de animais, ainda sobra uma grande parte que é exportada. Por ano, a exportação de frango e grãos ultrapassa R$ 1 bilhão”.
A Colônia Agrícola Sucupira, no Riacho Fundo, cidade-satélite criada logo após a inauguração de Brasília, concentra grande número de produtores de hortaliças. Um herdeiro dos Kanegae ainda produz na mesma propriedade que foi entregue ao seu avô, em 1957.
Heitor, batizado pelo próprio Juscelino Kubitschek por ser o primeiro filho dos japoneses a nascer no DF, produz 2 toneladas de folhosas e tomate por dia em 25 hectares. Apesar de ainda ser rentável, a atividade tem ficado mais árdua.
“É muito difícil achar mão de obra hoje. A comercialização também tem sido prejudicada, principalmente pelo preço de mercado baixo”, disse Heitor, que vê sua propriedade ser aos poucos cercada por casas residenciais. “Está na cara que é muito mais barato plantar condomínio do que hortaliças. Todo mundo está vendendo lote”, afirmou.
“A atividade rural não é tão lucrativa como vender lotes para terceiros, e essa é uma realidade que o governo não tem enfrentado. Grande parte dessas invasões acontece em áreas rurais e, como não está documentada, ninguém é punido. O cidadão que tem propriedade próxima a áreas urbanas pode até ter seu suprimento de água para irrigação poluído por rios contaminados”, disse Banci.
Com 30 anos de Distrito Federal, Valderley Batista, paranaense de Ubiratã, chegou à capital com 15 anos e cultiva folhosas em 4,5 hectares. Na hora da comercialização, ele próprio trata de vender sua produção em uma feira no Riacho Fundo.
Hoje, apenas ele, ajudado pela filha mais velha, e um funcionário “diarista” trabalham em sua propriedade. “Está difícil conseguir funcionário. Nos anos 80, chovia gente para trabalhar, e agora é essa luta. Ainda conto muito com milha filha que é uma guerreira. De manhã ela me ajuda na banca, a tarde trabalha e à noite estuda”.
A estrada que leva a sua chácara também é motivo de reclamação. “Já gastei muito dinheiro aqui”, disse, apontando para o ramal. “Os programas do governo também são de difícil acesso. Ano passado um pessoal da Emater veio aqui e disse que me ajudaria a preencher a papelada para vender para o governo e até agora ninguém apareceu”, afirmou.
Em culturas irrigadas, o DF planta mais de 24 mil hectares. Há 105 equipamentos de pivô central instalados. “É a agricultura mais avançada do país, seja na olericultura ou nos grãos. Num pequeno espaço de terra, os produtores são capazes de produzir muita coisa, como hortaliças, feijão, soja, gado de leite, ovelhas, peixe e frutas”, disse Valadão.
Cresce demanda por mão de obra mais qualificada
Com a consolidação dos núcleos rurais na produção de hortaliças no Distrito Federal, o governo federal passou a conceder terras para o plantio de grãos. Às margens da BR-251, que liga Brasília a Unaí (MG), o Programa de Assentamento Dirigido do Distrito Federal (PAD-DF) cresceu a partir da estratégia, e hoje abrange 61 mil hectares onde há plantio de cereais e hortaliças, além de bovinocultura e avicultura.
O desenvolvimento da área teve início em 1977, quando um projeto do governo do Distrito Federal e da Fundação Zoobotânica incentivou a chegada de produtores com qualificação técnica, em sua maioria nascidos no Rio Grande do Sul.
A Cooperativa Agropecuária da Região do DF (Coopa-DF), fundada em 1977 por 22 agricultores, ocupou as terras do PAD-DF a convite da Secretaria da Agricultura do governo do Distrito Federal. Hoje, integra 110 proprietários rurais. Juntos, os cooperados produzem mais de 6 milhões de sacas de soja, milho, feijão, sorgo e trigo por ano. O volume que a cooperativa recebe, porém, é de 2 milhões de sacas. O resto é vendido diretamente pelos produtores.
“Todo o entorno do DF é a maior área irrigada da América Latina. Nenhum outro lugar se planta e se colhe o ano todo. As pessoas não têm a percepção do potencial agrícola daqui. Temos milhares de máquinas de alta tecnologia, pivôs de irrigação de última geração e o que falta é mão de obra qualificada”, afirmou Leomar Cenci, presidente da Coopa-DF,.
Segundo Cenci, falta gente para comandar tanta tecnologia. “A tecnologia evoluiu muito, mas a oferta de mão de obra não está acompanhando o ritmo. O governo precisa achar uma forma de treinar mais pessoas”, disse Cenci.