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Economia

China, parceiro inevitável

Está no calendário da OMC que em 2016, todos os sócios terão de reconhecer a China como uma economia de mercado.

Está no calendário da Organização Mundial do Comércio: em 2016, todos os sócios da OMC terão de reconhecer a China como uma economia de mercado – e, portanto, ao criar tarifas de importação punitivas, antidumping, terão de provar que as vendas chinesas são feitas com preços abaixo do “normal” no mercado chinês. Na prática, será mais difícil proteger concorrentes nacionais das mercadorias da China alegando que elas têm preços desleais. Estratégias para a China baseadas em medidas de proteção serão cada vez mais custosas, e arriscadas.

Faltam cinco anos para esse momento. Há sete, o Brasil, o campeão mundial de medidas antidumping contra os chineses, prometeu reconhecer a China como economia de mercado, mas não regulamentou a medida até hoje. Quase 100 países já fizeram o reconhecimento, mas grandes parceiros, como EUA, União Europeia e Índia, não. Por isso, a China insistiu tanto e conseguiu tirar do governo brasileiro, em 2004, o reconhecimento formal – que, para ter efeito, precisaria ser regulamentado.

Desde então, os chineses cobram a entrega da promessa brasileira, e a frustração com o descumprimento do acordo foi um dos motivos do relativo esfriamento das relações sino-brasileiras, após um começo animado no governo Luiz Inácio Lula da Silva. O ânimo mudou, nos últimos anos, porém, com a crise nos mercados desenvolvidos, que levou a China a voltar-se para os países emergentes, buscando maior articulação em instâncias internacionais, como as negociações do clima, ou mesmo o Brics, o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, antes visto sem grande entusiasmo pelos asiáticos.

A mudança da atitude chinesa com emergentes e a consciência da forte pressão dos empresários brasileiros por medidas contra a entrada de produtos chineses, em um período de crescente comércio bilateral, diminuiu a insistência sobre o tema economia do mercado – agora limitado ao protocolo dos comunicados oficiais, como ficou evidente na visita da presidente Dilma Rousseff a Pequim.

Os chineses retomaram os contatos de alto nível, programando duas viagens de peso, do ministro do Comércio e do vice-presidente; e abriram o mercado (gradualmente, como é seu estilo) à carne suína brasileira. O governo chefiado por Hu Jintao, que havia ignorado duas cartas de Lula sobre o tema, aceitou comprar novos jatos regionais da Embraer, e converter em fábrica de jatos executivos as instalações montadas para o obsoleto EMB 145. Entre vários gestos de aliança na área científica, Pequim emitiu sinais de continuidade do programa sino-brasileiro de satélites – que parte do comando chinês preferia deixar de lado, concentrando-se no dispendioso e avançado programa Beidou (Bússola), o GPS chinês.

A China começa a por em prática seu 12º plano quinquenal, com maior ênfase crescimento baseado no mercado interno, o que pode reduzir a pressão dos chineses sobre os mercados externos, elevar juros e cotações das moedas nos países desenvolvidos e abrir espaço para negócios no mercado chinês. Mesmo com demoras e hesitações, a abertura da China ao frango brasileiro, por exemplo, abriu caminho para o negócio ambicioso anunciado durante a visita de Dilma pela Marfrig, que se associou à maior estatal chinesa de alimentos para vender frango semiprocessado brasileiro diretamente aos milhões de consumidores de restaurantes e cadeias de fast-food no país.

A China será alvo e fundamento das estratégias de boa parte dos negócios do planeta; e as necessárias barreiras comerciais contra determinados produtos chineses artificialmente competitivos não podem perder de vista a necessidade de se encaixarem em uma estratégia de aproximação com o país. Passou o tempo de timidez na diplomacia chinesa e eles não relutarão em explorar sua nova força. O abraço aos Brics é, claramente, um sinal disso, como notou bem o articulista do “Financial Times” Jamil Anderlini, ainda que com exageros que merecem reparo.

Quem acompanha reuniões do gênero sabe que é o anfitrião o responsável pelo texto-base a partir do qual se elabora o comunicado final; portanto seria natural ver no documento de Sanya as impressões digitais dos chineses, assim como o do ano passado estava coalhado de frases do gosto da diplomacia brasileira, e, no ano anterior, da russa. Quem acompanhou a elaboração do comunicado final dos Brics sabe que o texto divulgado, após as interferências dos diplomatas dos demais países, tem o dobro do tamanho do original sugerido pela China.

Dizer, como disse Anderlini, que o jargão do Partido Comunista encontrado no comunicado é prova de liderança chinesa é tão exagerado quanto achar que o Brasil lidera os Brics por ter inserido no mesmo texto dois de seus pontos mais chamativos: a menção à reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e o cuidado em atacar especuladores, evitando menções a controles de preços, no trecho sobre o alto custo mundial dos alimentos – tema em que o Brasil é o único dos Brics a estar do lado dos grandes produtores.

Outro exagero é ver na entrada da África do Sul interesse exclusivo da China. Com a Índia e o Brasil, o novo integrante do Brics forma o Ibas, um dos eixos da política externa brasileira. A África do Sul já tem a China como maior fornecedor, mas está na mira dos esforços de livre comércio do Brasil no continente, e é um dos principais parceiros comerciais brasileiros na África. A China quis ter o México como “observador” nos Brics. O Brasil vetou, com o argumento de que ampliar o grupo diluiria sua ação. Houve quem visse na sugestão chinesa um pedido dos EUA, aliado comercial de forte influência na ação externa mexicana.