Às margens da Ruta 8, que sai de Buenos Aires em direção aos campos de soja mais produtivos da América do Sul, colheitadeiras trabalham o dia inteiro para evitar que a possibilidade de chuvas a partir deste início de abril estrague uma safra até agora irretocável, daquelas que ficarão por muito tempo na memória dos agricultores argentinos.
Eles ainda carregam as lembranças da pior seca em mais de 70 anos que destruiu a safra passada (2008/09), mas essas recordações, mais recentemente, deram lugar ao entusiasmo. As estimativas iniciais, que sinalizavam uma colheita próxima a 48 milhões de toneladas de soja, foram crescendo até chegar à atual projeção de 53,5 milhões de toneladas, segundo a Bolsa de Cereais. Se confirmado, será um volume recorde para o país.
Os efeitos positivos sobre a economia do país já estão se espalhando. Analistas cunharam a expressão “tsunami verde” para designar a enxurrada de dólares provenientes das vendas da oleaginosa ao exterior, que começam a entrar de abril em diante. Até o fim da semana passada, 15% da área plantada havia sido colhida. Neste ano, mesmo com a queda dos preços internacionais, serão cerca de US$ 18 bilhões em exportações do complexo soja (grão, farelo e óleo), concentradas no segundo e terceiro trimestres – foram menos de US$ 12 bilhões em 2009.
O governo contará com uma ajuda essencial para sustentar a expansão do gasto público, com vistas às eleições presidenciais, daqui a 18 meses. Com as retenções (impostos) de 35% sobre as vendas de soja, os cofres do Tesouro ganharão US$ 6,3 bilhões – praticamente o mesmo valor que esteve no centro da crise política vivida em janeiro, quando a presidente Cristina Kirchner decidiu usar parte das reservas mantidas pelo Banco Central.
“Isso dá um espaço importante para o governo gastar mais”, diz Fausto Spotorno, economista-chefe da consultoria Orlando Ferreres & Associados. Graças à supercolheita e a seus reflexos sobre a economia, a previsão da consultoria para o crescimento do PIB neste ano subiu um ponto percentual – de 3,5% a 4,5%.
São reflexos percebidos particularmente na Pampa Úmida, uma extensa região de campinas que abarca as melhores terras para a agricultura e a pecuária em cinco Províncias argentinas – Buenos Aires, Córdoba, Santa Fé, La Pampa e Entre Ríos. Ganhou esse nome por seu regime pluviométrico privilegiado, em que tradicionalmente chove 500 milímetros por ano, em média.
O pequeno comércio de Venado Tuerto, um polo de soja ao sul de Santa Fé, voltou a contratar com o aumento da demanda por produtos duráveis e semiduráveis. Uma concessionária da John Deere em Bolívar, no centro da Província de Buenos Aires, dá o tom dos negócios. “O ânimo dos produtores mudou completamente nos últimos meses”, relata Nicolás Albanese, que vende tratores, colheitadeiras e plantadeiras na concessionária.
“As consultas têm aumentado bastante e a expectativa é de que tudo isso se transforme em vendas assim que a colheita terminar. O produtor ficará capitalizado e investirá mais para a safra seguinte”, comemora o vendedor.
As vendas nacionais do Mercedes Benz 1418, o modelo de caminhão preferido na Argentina, aumentaram 43% no primeiro bimestre. Para facilitar a produção, travada pela falta de componentes, o governo resolveu eliminar por 90 dias a exigência de licenças não automáticas de importação para pneus de caminhões e de máquinas agrícolas, beneficiando diretamente fabricantes brasileiros.
A Don Mario, que detém aproximadamente 40% do mercado local de sementes e vende 5 milhões de sacas de 40 quilos por ano, estima que os negócios vão aumentar 25% no próximo plantio. O presidente da empresa, Gerardo Bartolomé, avalia que a expansão ocorrerá não somente pela maior demanda dos atuais clientes, mas também pela regularização das práticas do setor.
Na Argentina, apenas um em cada quatro produtores paga royalties pelo uso das sementes – a maioria aplica grãos da colheita anterior no plantio seguinte e ignora os direitos de propriedade intelectual dos fornecedores de sementes. O percentual é inferior à metade do registrado, por exemplo, na região do cerrado brasileiro.
“Quando o agricultor vai bem, nós também vamos bem, porque ele decide investir mais em tecnologia”, disse Bartolomé ao Valor. De olho nesses investimentos e tentando deixar para trás quem usa sementes sem pagar royalties, a Don Mario – que, como o Los Grobo, está em expansão na América do Sul e tem planos ambiciosos para o Brasil -, lançará cinco novas variedades de soja. A estrela da próxima temporada será a DM 3810, que promete gerar rendimento 10% superior à versão que substitui, com a mesma área plantada.