Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), será preciso aumentar a produção mundial de carne em 20% no período 2000/2030. A maior expansão ficará com a de aves (40,4%) e a menor, com a bovina (12,7%). Os pescados e suínos terão crescimento de 20%. Hoje, a suína, embora o dado não seja amplamente conhecido, é a mais consumida no mundo, com média de 15,9 quilos por habitante/ano. O índice relativo às aves é 12,6 e aos bovinos, 9,4.
A análise evidencia o significado das carnes como fonte de proteína e a importância dos suínos. Na visão da segurança alimentar, é necessário ampliar a produção mundial e evitar as instabilidades que geram impacto na disponibilidade, preços e consumo per capita. O desafio é item relevante da agenda multilateral. No campo sanitário, acordo administrado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) regula a aplicação racional de medidas para harmonizar as políticas e elevar a proteção à saúde pública.
Assim, é indefensável sob o ponto de vista econômico, médico, sanitário e lógico a decisão de Rússia e China de bloquear as importações de carne suína e derivados em consequência da gripe A- H1N1. É tão insensato quanto o abate de 300 mil animais no Egito, num mundo em que um bilhão de seres humanos está submetido à insegurança alimentar e no qual as pessoas precisam de proteína para viver e se fortalecer contra o contágio de doenças infecciosas. Apesar do nome original, a moléstia, como já esclareceu a Organização Mundial da Saúde (OMS), é transmitida entre seres humanos, inexistindo risco de infecção pela ingestão da carne e derivados.
A Rússia, depois de proibir importações do México, de vários estados norte-americanos, Guatemala, Honduras, República Dominicana, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Nicarágua, Panamá e El Salvador, já acena com a possibilidade de embargar a carne suína brasileira. Além da insipiência da medida, seria algo injusto com o salto tecnológico do setor no País, onde a produtividade atesta o avanço da tecnologia. Em 1970, o rebanho suíno nacional era de 31,5 milhões de cabeças, para uma produção de 705 mil toneladas de carne. Em 2005, com 32,9 milhões de animais, a produção subiu para 2,707 milhões de toneladas. Em 35 anos, portanto, o número de suínos cresceu 4,4%, mas a produção saltou 283%. O avanço expressa o empenho dos criadores, frigoríficos e indústria de derivados.
O setor também evoluiu na questão da sustentabilidade. A excelente relação rebanho/produção apresenta outro indicador relevante: estamos ofertando muito mais carne sem agravar a emissão de metano, um dos gases do efeito estufa, resultante da decomposição dos dejetos dos animais. Há no Brasil, inclusive, projetos na área credenciados ao mercado internacional de créditos de carbono.
Desse modo, o substantivo “porco”, em sua acepção semântica conotativa de ausência de higiene e de animal afeito à sujeira, à lama e à lavagem, há muito não corresponde ao rebanho nacional. É preciso restabelecer a racionalidade, agindo-se com eficácia e urgência no sentido de evitar quaisquer ameaças de embargo às exportações da carne suína e derivados. O mundo perderia e a nossa economia seria prejudicada neste momento crucial de reação à crise financeira.
No contexto dos alimentos e, de modo particular, no tocante às carnes bovina, suína e de aves, o Brasil é reconhecido como o produtor com maior potencial para assumir plena liderança mundial. Para isso, é decisivo demonstrar a qualidade do que fazemos na agropecuária, em especial em momentos agudos como a conjuntura de crise, misturada ao risco de uma pandemia. É imprescindível combater as informações equivocadas, esclarecer a opinião pública e demonstrar a verdade sobre a gripe A e os avanços da criação de suínos no País. Não podemos cruzar os braços!
Há defasagem de pelo menos cem anos entre a produção brasileira e a visão sombria mostrada pela TV do insalubre rebanho no México no qual teria se originado o primeiro contágio humano da gripe A. Emprestando a estrutura poética da “Canção do Exílio”, do antológico Gonçalves Dias, é preciso deixar claro ao mundo que os porcos que aqui chafurdam não chafurdam como lá. Aliás, sequer chafurdam, pois são criados em ambientes de extrema higiene…
*João Sampaio, economista, é o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CONSEA).