As disputas comerciais do Brasil com outros países no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) ganharam destaque nos últimos dias em função de dois casos emblemáticos envolvendo produtos muito importantes para a pauta brasileira de exportações, o suco de laranja e os aviões da Embraer. Os dois episódios tornam explícita a enorme dificuldade em fazer valer as regras de comércio internacional, em especial quando se referem a punições aos países mais ricos que concedem subsídios para suas empresas ou produtores agrícolas. A burocracia dos processos ajuda a explicar a lentidão com que decisões são tomadas, mas essa não é a única justificativa. Os países desenvolvidos continuam a adotar políticas que favorecem seus interesses e recorrem a todos os expedientes possíveis para evitar as penalidades previstas nas regras do comércio internacional.
Na avaliação do papel de Brasília nessas questões, especialistas notam que a emergência destes dois processos evidencia que há uma postura mais agressiva, embora se considere que o governo brasileiro seja cauteloso em iniciar disputas porque precisa considerar o interesse geral do País e não apenas de um setor. Não deixou, porém, de causar certa surpresa a atitude do governo no caso do suco de laranja contra os EUA. Esta disputa poderia ter ficado engavetada por mais tempo porque não havia pressão de nenhuma parte para que se adotasse uma medida mais dura contra os americanos. A impressão é que o Brasil parece ter perdido, se é que tinha, qualquer timidez no trato de questões de disputas comerciais internacionais.
Além dessa disposição política, a missão do Brasil hoje está bem mais equipada, com mais diplomatas para representar o País nas questões comerciais. Também, e sobretudo, hoje há em Brasília uma equipe de apoio considerada internacionalmente boa, tanto para tocar os contenciosos como para as negociações agrícolas – que, nesta área específica, conta com ajuda do setor privado. Também mudou a visão brasileira sobre a OMC, uma entidade que pode ser considerada um sumário da globalização pois por ela passam não apenas os temas do comércio, mas também da saúde, questões ambientais, financeiras etc.
O incidente mais recente é, na verdade, um desdobramento de uma antiga pendenga entre a Embraer e sua concorrente direta no mercado de jatos regionais, a canadense Bombardier, que já protagonizaram uma série de processos na OMC no começo da década. Desta vez, o cenário da querela é a Comissão Europeia, onde a Embraer fez uma queixa contra subsídios concedidos pelo Reino Unido à Bombardier, alegando que o apoio viola a legislação europeia de concorrência. Com isso, conseguiu reduzir o valor da ajuda em quase um terço, mas considera pouco e poderá recorrer à Corte Europeia de Justiça.
Embora correndo em outra entidade, a ação da Embraer ganhou força com uma decisão da própria OMC, da semana passada, que deu razão à empresa americana Boeing contra a europeia Airbus em um caso de subsídios oferecidos a lançamento de novos modelos. Parte do que foi contestado por Washington tem semelhança com o que o Brasil contesta no apoio à Bombardier. No primeiro contencioso entre Embraer e Bombardier, o que esteve em jogo foi o apoio dos governos via crédito a exportação, ou seja, bilhões de dólares de ajuda para a comercialização das aeronaves. Os governos do Brasil e do Canadá acabaram por obter direitos de retaliação recíproca de centenas de milhões de dólares, que nunca foram utilizados. Agora, o contencioso envolve ajuda oficial para o desenvolvimento de novos jatos da Bombardier.
Outro caso de destaque, de agosto, teve a participação direta do governo brasileiro por meio de pedido de instalação de comitê de arbitragem na OMC para examinar uma queixa contra uma prática dos EUA em relação ao suco de laranja. Nesse processo, o Brasil questiona o método de cálculo usado por Washington para estabelecer suposta margem de dumping de até 4,81% por indústrias brasileiras – fórmula que já foi condenada em outros casos na OMC . A decisão de pedir a abertura de um “painel”, que pode levar até à retaliação contra produtos americanos, foi tomada depois do fracasso de consultas formais acionadas pelo país na OMC em novembro de 2008.