A briga entre Brasil e Estados Unidos se acirrou ontem, pouco depois de Brasília ter obtido o sinal verde da Organização Mundial do Comércio (OMC) para impor retaliação de centenas de milhões de dólares contra produtos americanos no contencioso do algodão.
A OMC determinou que o total da retaliação é de US$ 294,7 milhões, o segundo maior valor na história da entidade, levando em conta subsídios de 2006. Mas não parou por aí, introduzindo uma fórmula que pode elevar bastante a sanção, levando em conta o valor anual dos subsídios ilegais americanos aos seus produtores. Os subsídios americanos deprimem os preços internacionais e ajudam 25 mil produtores americanos a ganhar mercados de produtores mais eficientes e competitivos.
O Brasil fez a conta e concluiu que já para este ano a retaliação alcança US$ 800 milhões, quase três vezes mais que o número usado pela OMC, e que os EUA preferem utilizar como a cifra final.
“Essa cifra de US$ 294,7 milhoes nunca será usada, porque os subsídios já subiram enormemente”, reagiu o embaixador brasileiro na OMC, Roberto Azevedo. “Como os subsídios em 2009 explodiram, o valor de retaliação pode até beirar o US$ 1 bilhão”, acrescentou Pedro de Camargo Neto, que esteve na origem da disputa pelo lado brasileiro, há sete anos.
Em Washington, o Conselho Nacional do Algodão afirmou que a OMC usou valor de subsídios de 2005 no momento mais alto, rejeitou as estimativas brasileiras e insistiu que desde então os subsídios caíram, a produção declinou 45% e hoje “não é possível determinar que os programas (de garantia de crédito à exportação) causam prejuízos no mercado mundial”.
O desentendimento entre Brasilia e Washington logo era previsível e seu desenvolvimento vai depender do que o Brasil fizer – se realmente vai retaliar, e não apenas contra mercadorias, mas também envolvendo patentes, serviços financeiros etc.
O governo brasileiro avisou que não decidiu se, quando e como eventualmente vai retaliar os EUA. Ontem, preferiu conclamar Washington a retirar os subsídios ilegais, o que evitaria a sanção. Mas produtores americanos deram a mesma resposta dos últimos sete anos: não abrem mão das subvenções, que segundo eles teriam diminuído, causando problemas para enfrentarem concorrentes como China e Índia.
As cifras do contencioso são confusas. O Brasil dizia que pedia retaliação de US$ 2,2 bilhões, enquanto o documento da OMC diz que o montante solicitado foi de US$ 2,683 bilhões. A decisão dos três árbitros – um mexicano, um irlandês e um australiano – procurou ser salomônica e beneficiar os dois lados. Inovou e autorizou a sanção em duas partes, para vigorarem enquanto os americanos continuarem a dar subsídios ilegais aos produtores de algodão.
Primeiro, a OMC decidiu um valor fixo de US$ 147,3 milhões ao ano, por causa de subsídios que provocam prejuízo grave aos produtores brasileiros. Segundo, introduziu um montante variável sobre os subsídios proibidos. Esse valor deve ser calculado cada ano por uma fórmula com dados atualizados de exportações americanas de vários produtos beneficiados pelo programa de garantia de crédito à exportação. A retaliação total chegaria aos US$ 294,7 milhões, considerando o ano-base de 2006.
Pelos cálculos do Brasil, dados dos EUA relativos ao ano fiscal de outubro 2008 a setembro de 2009 apontam para um aumento de subsídios, através da garantia de crédito a exportação, de US$ 1,3 bilhão, em 2006, para US$ 4,6 bilhões em 2009. Dessa forma, usando a fórmula da OMC, o País chegou à cifra de US$ 800 milhões.
Isso é ainda mais relevante, porque o Brasil tinha pedido também para fazer a retaliação cruzada, ou seja, quebrando patentes e retirando concessões em serviços financeiros, de distribuição, construção etc. Argumentou que teria custos adicionais se aumentasse as tarifas na importação do setor automotivo, de remédios, produtos alimentares e livros, por exemplo.
Os árbitros rejeitaram parcialmente o pedido brasileiro, para satisfação americana. Decidiram que o Brasil só pode aplicar retaliação em patentes e serviços quando o valor exceder um “gatilho” calculado com base nas importações brasileiras originárias dos EUA. Para o Brasil, o “gatilho” se situa em US$ 460 milhões em 2009, e até esse montante a sanção seria com alta de tarifas sobre mercadorias. Os outros US$ 340 milhões seriam nas áreas de serviço e direitos de propriedade intelectual.
“A vitória política é incontestável”, afirmou Pedro de Camargo Neto. “A possibilidade de retaliar de maneira cruzada também, mesmo com as limitações impostas pela OMC. Mais importante é a maneira como o Brasil vai usar esse direito, porque até agora o governo não mostrou interesse em utilizar o lado político do contencioso.”