Redação (25/07/06) – Quer dizer, grão produzido sem desmatar áreas de florestas e sem utilizar mão-de-obra análoga à escravidão. O que era exigência de nichos de mercado caminha para virar tendência, mas muitas empresas ainda engatinham no quesito responsabilidade socioambiental.
Não à toa, ontem a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) lançaram documento em que se comprometem a “implantar um programa de governança, que objetiva não comercializar a soja da safra que será plantada a partir de outubro de 2006, oriunda de áreas que forem desflorestadas dentro do Bioma Amazônico” desde ontem. Além disso, afirmam que as empresas do setor incorporaram a seus contratos de compra de soja cláusula de rompimento, caso se constate trabalho análogo ao escravo.
A iniciativa surge no mesmo dia em que redes de varejo europeu, fabricantes de alimentos e cadeias de fast food, informaram que não vão negociar com grandes tradings que atuam no Brasil a menos que provem que não estão fornecendo soja de áreas cultivadas ilegalmente. Pelo comunicado de Abiove e Anec, a iniciativa terá a duração de dois anos e tem como meta “conciliar a preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico, através da utilização responsável e sustentável dos recursos naturais brasileiros”.
Segundo o presidente da Abiove, Carlo Lovatelli, durante esses dois anos “os incautos, produtores sem informação adequada terão de se enquadrar” à exigência. “É uma demanda internacional. O mercado manda e ele mudou”, diz. Para ele, se as empresas não se adequarem “às novas imposições do mercado”, poderão perder participação.
Sérgio Castanho Teixeira Mendes, diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), mostrou-se confiante em relação à implantação do programa em virtude do ainda baixo índice de plantio de soja na área do Bioma Amazônico. “O percentual é pequeno e não pode aumentar. Pelo contrário, tem de diminuir”.
Segundo a entidade, a área de soja no bioma, que tem 418,888 milhões de hectares, soma 1,15 milhão de hectares – 0,3%. Dessa área de plantio, 88% está no Estado de Mato Grosso, conforme Mendes. “Quase metade do bioma é formado por terras devolutas, e os grandes produtores de soja, que prevalecem no Mato Grosso, são profissionais e não se arriscam a plantar. E isso facilitará a implantação do programa de governança”, afirma.
O setor também chama a atenção para a confusão que se faz entre os conceitos de Bioma Amazônico e Amazônia Legal. Esta última é maior do que o bioma Amazônico (tem 5.217.423 km2), e responde por 61% do território brasileiro, compreendendo Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, além de parte do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. Foi criada na década de 60 como uma figura jurídica para fins de planejamento econômico da região amazônica.
Para o Greenpeace, que faz campanha contra o plantio de soja em áreas de florestas, a iniciativa “mostra que o comércio internacional da soja foi abalado pela publicidade negativa da crise ambiental da maior floresta tropical do planeta”.
No período de dois anos, que está sendo chamado de “moratória”, o setor se compromete a trabalhar com os órgãos governamentais brasileiros, entidades de produtores e sociedade civil para fazer um mapeamento econômico-ecológico do Bioma Amazônico. O setor também quer desenvolver estratégias para “sensibilizar” os produtores a cumprirem o Código Florestal Brasileiro.
Lovatelli, da Abiove, acredita que as empresas conseguirão evitar adquirir soja de áreas que não se adequem à nova exigência porque “o nível de informação sobre a região em que atuam é grande”.
Apesar de as associações que representam as indústrias de soja estarem se mobilizando agora, isoladamente algumas empresas já vinham tomando medidas para reduzir a pressão internacional. O Grupo André Maggi, por exemplo, adotou em janeiro de 2004 uma política de crédito ao produtor fornecedor de soja condicionada à questão ambiental. Pedro Jacyr Bonjiolo, presidente do grupo, explica que agricultores que plantam soja em áreas ilegais não obtêm financiamento da empresa para produzir em tais áreas. “O objetivo é preservar o mercado e o produtor”, afirma. Outro requisito é não empregar trabalho análogo à escravidão na propriedade.
Alvo de constantes críticas por sua atuação no Mato Grosso, onde também planta soja, o grupo André Maggi passou a fazer tais exigências de seus produtores também para atender a pré-requisitos do IFC – International Finance Corporation – braço do Banco Mundial para obtenção de crédito. “Quem não se enquadra, não tem financiamento”, afirma Bonjiolo.
Também há dois anos, a Bunge definiu que produtores que ferirem a legislação ambiental e trabalhista poderão ter seu contrato de venda e financiamento de soja rescindido, informa Adalgiso Telles, diretor de comunicação da Bunge Brasil. A Cargill tem projeto-piloto em Santarém (PA), junto com a The Nature Consevancy, para orientação de produtores sobre o código florestal e para recuperação de áreas degradadas, segundo a assessoria de comunicação. A empresa não adquire soja de propriedades onde haja trabalho escravo.
Entre produtores, o cultivo sustentável de soja começa a ganhar adeptos. Ademir Rostirolla, de Campos de Julho (MT), decidiu aderir ao plantio de soja de forma sustentável por acreditar que essa é uma tendência mundial e que poderá agregar valor ao produto. Sua produção tem o selo GrunPass, da certificadora alemã TÜV Rheinland Brasil. Antonio Carlos Caio da Silva, presidente da TÜV, explica que o selo é uma garantia ao comprador de que a soja foi produzida de forma ambiental e socialmente responsável.