Redação (15/03/06) – Com a decisão brasileira de defender o “contém” na rotulagem de produtos importados e exportados com Organismos Vivos Modificados (OVMs) em sua composição, cresceu a disputa de argumentos e números na 3 Reunião dos Países Membros do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3), que segue até esta sexta-feira em Curitiba. O evento reúne representantes de mais de 130 países que estão debatendo a criação de um sistema que garanta segurança ambiental e à saúde para o mercado internacional de transgênicos destinados à alimentação humana, animal ou para outros usos.
Além de frustrar a expectativa de setores ligados ao agronegócio, que defendem abertamente o “pode conter” para produtos com OVMs, a posição anunciada ontem pelo governo surpreendeu produtores e indústrias. Não faltaram críticas, como a de que esse tipo de rotulagem elevaria os custos de produção e reduziria o espaço nacional no mercado externo.
“O presidente partidarizou a questão, privilegiando sua legenda e a ministra Marina Silva (Meio Ambiente). Não há fundamento técnico e nem econômico para essa decisão”, disse Gilman Viana Rodrigues, presidente da Comissão Nacional de Comércio Exterior da CNA (Comissão Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil). Segundo Rodrigues, os membros da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), organismo estatal responsável pelo setor de biossegurança, haviam aprovado por oito votos a três o “pode conter” nas cargas transgênicas. “Vou trabalhar com todas as forças para derrubar a posição do governo na MOP3”, ressaltou.
Conforme o professor José Maria da Silveira, do Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp, haveria um crescimento médio de 3% nos custos da produção de soja no País, caso seja aprovada e colocada em prática a proposta defendida pelo Brasil na MOP3. Silveira coordenou a elaboração de um documento para o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone) que recomenda a defesa do “pode conter” pela delegação brasileira em Curitiba. Caso contrário, de acordo com o texto, poderiam crescer em até US$ 14 milhões (cerca de R$ 30 milhões) os custos de exportação da soja brasileira. Em 2005, o País exportou 22,5 milhões de toneladas do grão.
Para Silveira, os custos poderiam ser ainda maiores caso outros transgênicos
venham a ser produzidos no País, como algodão e milho. Segundo o também consultor do Conselho de Informações Sobre Biotecnologia (CIB), o sistema brasileiro de produção e de transporte de grãos é precário, o que prejudicaria a segregação (separação de grãos comuns de geneticamente modificados) e a identificação de transgênicos. Isso tornaria ainda mais difícil o cumprimento do Protocolo de Cartagena pelo País, que pede a identificação das cargas geneticamente modificadas no porto exportador. “O “pode conter” atenderia aos objetivos do Protocolo de Cartagena, já que não há provas de que os transgênicos ameaçam a biodiversidade global”, disse.
Ongs rejeitam aumentos de custo
O coro contra o posicionamento brasileiro, criticado de forma velada por países como o México, aliado norte-americano na defesa do “pode conter”, é reforçado por organizações não-governamentais como a AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa), de promoção da chamada agroecologia..
Para o economista carioca Jean Marc von der Weid, diretor da entidade e membro da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, coalizão de mais de 80 ongs brasileiras, a proposta brasileira “parece ser um avanço”, mas “é muito aberta e inconsistente porque tenta misturar óleo com água”. “Nessa ambigüidade, é privilegiado o lobby pró-transgênicos”, disse. “Quero ver como a delegação brasileira irá negociar isso na MOP3”, completou.
Conforme Weid, que fez doutorado em economia agrícola na Universidade de Sorbonne, a posição nacional é muito mais próxima dos interesses da indústria do que dos consumidores e dos ambientalistas. Segundo ele, pela força política e econômica que têm, as forças pró-OGMs conseguem consolidar uma falsa posição junto à sociedade. “Fui atrás das fontes e recalculei todos os dados produzidos pela Ícone. São falsos. Não tem pé nem cabeça”, afirmou o doutor em Economia Agrícola.
O diretor da AS-PTA afirmou, ainda, que a reação à iniciativa brasileira também revela uma “resistência” da indústria a qualquer forma de controle de sua produção”. “A identificação das cargas com OVMs daria poder de escolha aos compradores. Isso assusta a indústria”, disse. “Um período de transição de quatro anos para identificar as cargas com transgênicos pode levar a um novo fato consumado, a contaminação de toda a produção brasileira”, completou Weid.