Da Redação 21/02/2005 – Passada a turbulência provo cada por uma ruidosa troca de comando, a estatal Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) começa a mudar de rumos sob a nova direção.
De estilo conciliador e trato fácil, Silvio Crestana, que acaba de assumir a presidência da empresa, anuncia que o presidente da empresa passará a ter mandato de quatro anos, avaliações bianuais e só poderá ser destituído por um processo administrativo.
Em entrevista ao Valor, Crestana disse que as mudanças no estatuto, que devem ser concluídas em breve, darão mais estabilidade à Embrapa, o que deve trazer “paz e tranqüilidade” aos pesquisadores.
“Trabalhar com mandato será bom para não ficar dependendo apenas dos humores de ministros ou de acordos políticos”, disse. Ele cita o exemplo do ex-presidente Murilo Flores, que “sobreviveu” a 11 diferentes ministros, para demonstrar os riscos do jogo político para a empresa.
Pela proposta, o presidente passaria a ser escolhido por uma comissão do Conselho de Administração, que elegeria o perfil e identificaria os nomes, dentro e fora da empresa. Uma lista tríplice seria submetida ao ministro da Agricultura, que levaria sua indicação ao presidente da República.
Crestana tem costurado um cuidadoso acordo interno para vencer resistências nos vários grupos de interesse alojados na instituição. Primogênito entre os nove irmãos de uma família de imigrantes italianos, ele tem repetido a receita de composição política que o fez chegar até aqui.
Aproximou-se do sindicato dos funcionários, arrebanhou pesquisadores de todas as tendências e abriu as portas aos vários ramos do setor produtivo. “O dirigente não pode confundir o que pensa com a instituição”, diz. “Temos que respeitar o papel dos sindicatos, dos partidos e das organizações de governo”.
Mesmo tendo sido conduzido ao posto com forte apoio do PT, Crestana afirma que é preciso ter cuidado nessas relações partidárias. “É preciso interagir com os partidos, mas não se pode encaminhar interesses partidários dentro da instituição porque senão acaba em aparelhamento. Esse papel não cabe ao dirigente”, afirmou. “Estou comprometido com o ministro, que está comprometido com o presidente Lula. Mas não é só o PT quem define as políticas do governo”.
Segundo ele, é preciso aprofundar alianças e acomodá-las. Militante do MDB nos anos 70, aproximou-se do PT pelas mãos do atual prefeito de São Carlos (SP), Newton Lima, seu ex-colega de mestrado na USP. Conseguiu o aval do diretório estadual e foi ungido pelo presidente do partido, José Genoíno, e pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
Ligado à agricultura familiar por sua própria história – estudou numa escola da fazendo onde morava até a 3 série -, Crestana não vê grandes diferenças entre o segmento e o “negócio agrícola”, como tem preferido chamar o agronegócio. “Não distinguimos uma da outra. Isso é uma fábula. Não podemos crescer sem incluir a agricultura familiar. E o ministro Roberto Rodrigues tem nos pedido para faze do pequeno um homem próspero “, resume.
Crestana admite que o atual momento da Embrapa ainda é conturbado, mas diz que há condições para retomar o entusiasmo. “Perdemos um pouco do pique, mas não desanimamos”.
A eleição do presidente Lula, analisa, despertou muita expectativa nas “forças vivas” da empresa, como chama as diversas tendências da instituição. “Temos agora que transformar nossa energia em luz e não em calor. Se somarmos todas as luzes, conseguiremos um bom clarão”, diz, em linguajar de físico, para explicar o “efeito joule” na empresa.
No horizonte da Embrapa, estão diversos projetos de imediata aplicação. Crestana e sua equipe, escolhida a dedo para atender critérios científicos e políticos, querem alinhar a Embrapa à política de relações “Sul-Sul” inspirada pelo Itamaraty e adotado pelo presidente Lula.
A idéia é levar uma peculiar visão multinacional à instituição. O modelo é o Serviço de Pesquisa Agrícola dos Estados Unidos (ARS, na sigla em inglês), mas usando dinheiro do Hemisfério Norte, com a troca de informações sobre a agricultura tropical, para financiar e liderar os países do Sul, principalmente na África.
“Vamos ensinar aos países do Sul como usar nosso tecnologia com financiamento dos países ricos”, afirma. “Hoje, o Labex [Laboratório da Embrapa no Exterior] já faz prospecções, de recursos e tendências, na Europa e nos Estados Unidos. Sem dependência, com soberania e no mesmo nível. Agora, vamos nos aproximar cada vez mais dos países pobres do Sul para ensinar como ””ler”” os avanços do setor”.
Para levar adiante os planos, Crestana quer ampliar o leque de fontes de recursos. Quer trazer o setor privado, cooperativas, organismos internacionais e novos parceiros para elevar o orçamento da empresa a US$ 400 milhões por ano para voltar aos níveis reais de 1996. “Hoje, temos um orçamento próximo de US$ 250 milhões apenas”, reclama. Segundo ele, o ARS americano investe US$ 1 bilhão ao ano em pesquisa e desenvolvimento. “E lá não tem contingenciamento”.
O novo presidente conta com a boa vontade do governo federal para salvar os recursos orçamentários da empresa dos cortes orçamentários que se avizinham. Crestana diz ainda que gasta entre 60% e 70% com despesas de pessoal e sobram apenas 10% para investir em pesquisas. “É pouco. Por isso, precisamos buscar acordos internacionais”, diz.
O Brasil precisa elevar a 1,5% seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento nos próximos seis ou sete anos. “Como meta, temos que trabalhar com algo entre 2,5% e 3%. Não só do governo, mas principalmente da iniciativa privada”, afirma Crestana. Segundo ele, o orçamento da ARS, nos EUA, é composto por 70% de recursos privados. “Aqui, são menos de 30%”.
Na gestão de Crestana, as pesquisas com transgênicos devem continuar. Nesse tema, ele é cauteloso. “Precisamos manter as pesquisas nos limites da lei e em consonância com as diretrizes do governo Lula”, diz. “Mas temos uma necessidade evidente de avaliar riscos para os transgênicos”. Os transgênicos são, em sua opinião, apenas uma parte das pesquisas que devem ser desenvolvidas pela empresa no campo da biotecnologia. “Porque temos que ficar numa posição inferior ao que se faz no mundo?”, questiona. “Não podemos deixar de fazer o que é melhor em termos de biotecnologia”.