Em mais um passo para pressionar os Estados Unidos a oferecerem compensações por subsídios ilegais concedidos à produção local de algodão, o governo brasileiro anunciou ontem a lista com as principais áreas sujeitas à retaliação em direitos de propriedade intelectual. A lista de bens e mercadorias submetidas a sanções econômicas já havia sido divulgada na semana passada.
Em consulta pública até 5 de abril, a lista prévia compreende represálias de até US$ 238 milhões em patentes, marcas e direitos de autor por meio de eventual suspensão, retirada ou cobrança de taxa adicional calculadas anualmente pelo Ministério do Desenvolvimento.
As penas podem ser impostas a medicamentos humanos e veterinários, produtos químicos e processos biotecnológicos agrícolas, cultivares, execuções musicais, programas de computador, além de obras literárias e audiovisuais. “A lista é para tentar gerar um movimento dos Estados Unidos”, admitiu o diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, Carlos Márcio Cozendey. “O Brasil está reagindo. Não altera a regra do jogo. E não deve significar redução de investimentos no país”. A tendência, segundo ele, é “reduzir custos” para o consumidor brasileiro.
A porta para a negociação continua aberta, mas o governo busca forçar gigantes farmacêuticas, indústrias de biotecnologia e de software, além de companhias de entretenimento, a reforçar a pressão sobre o governo americano na disputa do algodão. “Espero que as empresas estejam do nosso lado para fazer os Estados Unidos cumprirem as regras da OMC. Elas vão nos ajudar em Washington”.
O diretor do Itamaraty afirmou que, “se houver acordo”, as medidas impostas pelo governo podem ser interrompidas “a qualquer momento”, já que são produtos específicos e regras gerais. “Temos certeza de que eles têm interesse em respeitar as regras da OMC”, afirmou a secretária-executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Lytha Spíndola.
Os EUA foram condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC) a compensar o Brasil por subsidiar ilegalmente a produção e exportação de algodão. O País foi autorizado a retaliar os EUA em até US$ 829 milhões anuais. Para permitir essa “retaliação cruzada”, foi necessário mudar as regras internas. Se, de fato, ocorrer a chamada “retaliação cruzada”, será a primeira vez na recente história da OMC. Em dois casos anteriores, as represálias comerciais acabaram descartadas – Antígua e Barbuda desistiu de retaliar os EUA e o Equador também recuou de sua intenção contra a União Europeia. “A área é nova e ainda estamos inventando como fazer e implementar essas medidas”, reconheceu Cozendey.
Na prática, a aplicação de eventuais medidas pode reduzir o prazo de validade de uma patente industrial, levando o produto a “cair em domínio público”. Isso, entende o governo, aumentaria a concorrência. “Podemos reduzir a patente em um determinado período”, disse Cozendey. “Provavelmente, não se adotará sobre patentes com prazos muito longos”.
Os planos do governo também incluem licenciar patentes de medicamentos, químicos, biotecnológicos, softwares, livros e filmes sem a devida remuneração de direitos de autor. A licença ficaria sob controle do Estado, sem pagamento arbitrado. “A lista é ampla e abrangente, porque queremos ouvir todos os setores”, disse Lytha.
Na relação de bens e mercadorias, que deve vigorar a partir de 7 de abril, foram inicialmente identificados 222 itens. Mas apenas 102 posições tarifárias sofreram retaliação. O que somaria US$ 2,7 bilhões em sanções acabou limitado a US$ 591 milhões. “Se fosse tudo em bens, causaríamos prejuízo aos consumidores brasileiros. Por isso, optamos pela propriedade intelectual”, disse Cozendey.
Na lista sujeita às sanções, estão permissões especiais, sem licença do titular da patente, para executar a “importação paralela” de medicamentos. Assim, seria possível trazer ao país medicamentos genéricos concorrentes de produtores americanos. “Podemos trazer de onde já existem genéricos e obrigar os produtos americanos a enfrentar essa concorrência aqui”, afirmou o diretor do Itamaraty.
A relação prévia de retaliação em propriedade intelectual também abrangeu a elevação de preços de registro ou de taxas de renovação de patentes no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). “Podemos criar um novo registro para direito de autor em filmes, livros e softwares”, informou Cozendey. O governo também avalia criar a obrigação de novos registros para filmes, livros e softwares ou taxar remessas de remuneração de propriedade intelectual. Seria outra maneira de reforçar a pressão sobre um dos setores mais sensíveis na relação comercial bilateral.