Os sistemas agrícolas integrados apostam na diversidade e na rotatividade de culturas em uma mesma área de produção. De olho nessas características, pesquisadores do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) investigam se esses modelos de amplo aproveitamento do solo são capazes de sequestrar mais dióxido de carbono (CO2) da atmosfera em relação ao sistema tradicional. “Os sistemas agrícolas integrados têm grande potencial de ajudar nosso país a cumprir os compromissos climáticos firmados perante o Acordo de Paris, em 2015, e atualizadas na COP 26, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada em 2021, em Glasgow, na Escócia. Além disso, podem também contribuir para que o Brasil produza mais alimento nas próximas décadas”, aponta Maurício Roberto Cherubin, coordenador do projeto Sequestro de carbono do solo por meio de sistemas agrícolas integrados, do RCGI.
De acordo com o pesquisador, os sistemas integrados são caracterizados pela variedade. “Em uma mesma área podemos ter em uma época do ano uma cultura de grãos, como soja e milho. Após a colheita, na entressafra, é possível cultivar uma forrageira que serve de pasto para os animais, e assim a prática contribui para a produção de carne. Sem contar que em sistemas mais complexos pode-se colocar árvores dentro da lavoura, o que possibilita, de tempos em tempos, produzir madeira”, explica Cherubin, que é professor do departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da (Esalq) da USP, em Piracicaba.
Com duração prevista de cinco anos, o projeto do RCGI foi iniciado em 2021 e vai acontecer em quatro fases. Na primeira etapa, os pesquisadores levantaram a bibliografia disponível em nível mundial a respeito de sistemas agrícolas integrados. “É curioso observar que no Brasil essa prática surgiu nas últimas duas décadas pelas mãos dos produtores, que perceberam que poderiam lucrar em termos financeiros caso aproveitassem a terra de forma mais ampla”, conta Cherubin. “Em função dessa demanda, a produção de trabalhos acadêmicos no país sobre a temática começou já a partir da década de 2000. Nos últimos cinco anos, as pesquisas passaram a investigar a contribuição ambiental desses sistemas”.
No momento os pesquisadores realizam o segundo módulo do projeto, que consiste em visitar locais no Brasil onde essa prática agrícola já está em andamento. Segundo o especialista, estima-se que sistemas agrícolas integrados ocupem hoje cerca de 15 milhões de hectares no país – área equivalente a cinco vezes o tamanho da Bélgica. “Esse procedimento vem sendo adotado em praticamente todos os estados brasileiros, mas sobretudo pelo Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e na região conhecida como Matopiba, uma das maiores fronteiras agrícolas do mundo situada na interface do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia”, relata Cherubin.
Em virtude do Acordo de Paris, em 2015, o Brasil se comprometeu em ampliar em 5 milhões de hectares a área já existente no país com sistemas integrados. “Vale dizer que existem vários tipos de sistemas integrados possíveis de serem aplicados. O mais completo deles é a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), mas há também formatos como a integração lavoura-pecuária (ILP) e o sistema agroflorestal (SAF), por exemplo. E não há regras rígidas: diversas combinações têm sido utilizadas pelos produtores. No sul do país, por exemplo, em vez de bovinos alguns sistemas usam ovinos”, aponta Cherubin.
Raio-X do processo
Além de investigar a captura de CO2 pela vegetação dos sistemas agrícolas integrados, os pesquisadores pretendem compreender a participação do solo nessa história. “O dióxido de carbono capturado pelas plantas é transformado pelos organismos do solo. Parte dele é acumulado no solo na forma diversos compostos orgânicos. Alguns destes compostos se ligam aos minerais do solo e mantem o carbono estabilizado por um longo tempo”, diz Cherubin. “No entanto, outra parte desse carbono pode ser emitido do solo para a atmosfera na forma de CO2 ou metano (CH4), ambos considerados gases do efeito estufa. Outro exemplo é o óxido nitroso (N2O), que, apesar de não conter carbono na constituição, tem relação íntima com o ciclo do C e com a agricultura. Trata-se de um gás de efeito estufa de grande impacto para o aquecimento global. Para se ter ideia, se o CH4 tem 28 vezes mais potencial de aquecer o planeta do que o CO2, o N2O oferece 265 vezes mais risco nesse sentido”, prossegue o especialista.
Para compreender como se dá a retenção do carbono no solo, bem como quantificar as emissões dos gases de efeito estufa, os pesquisadores vão utilizar técnicas baseadas em radiação síncrotron, tipo especial de luz que permite investigar a estrutura da matéria na escala dos átomos e das moléculas. Para que isso aconteça, o projeto vai utilizar a estrutura do Sirius, um acelerador de partículas de última geração que emite esse tipo de luz e está localizado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP). “Com a participação de pesquisadores do CNPEM, vamos conseguir fazer um raio-X do solo para entender quanto de CO2 que a planta capturou foi estocado no solo e qual é a forma que esse carbono foi estabilizado”, comemora Cherubin.
No próximo passo do projeto, cujo apelido é Ag4C (sigla em inglês para “agricultura para carbono”), os pesquisadores vão aplicar modelagem para avaliar os dados coletados durante o estudo de campo. “A ideia é usar uma série de modelos de predição para vislumbrar o potencial de outras regiões no país a partir de dados que medimos em áreas estratégicas pelo Brasil”, sinaliza Cherubin para concluir: “Esses números podem ser utilizados pelo Brasil em negociações internacionais e também contribuir para a definição de políticas públicas no país voltadas para essa questão”. (Da Assessoria de Comunicação do RCGI)