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Fala Agro

Trump x China: como fica o agronegócio? por Marcos Jank e Christopher Garman

Trump x China: como fica o agronegócio? por Marcos Jank e Christopher Garman

A vitória acachapante de Donald Trump certamente terá repercussões globais e para o Brasil. O presidente eleito assumirá o cargo com autoridade abrangente, maioria no Congresso e uma ambiciosa agenda doméstica e de política externa.

Para o Brasil, a principal consequência da vitória de Trump virá dos reflexos globais da política econômica do novo governo. Durante a campanha, a equipe do 47º presidente dos Estados Unidos prometeu aumentar de forma ampla as tarifas de importação, deportar em massa imigrantes ilegais e reduzir impostos corporativos. Essa última promessa tem deixado os mercados de ações nos EUA otimistas. A soma dos resultados dessas três propostas, no entanto, tende a se traduzir em mais inflação, menor crescimento ao longo do tempo, dólar mais forte e moedas de mercados emergentes, como a do Brasil, mais fracas.

Ainda assim, o agronegócio brasileiro pode colher vantagens, como aconteceu durante o primeiro mandato de Trump (2017-2021). À época, o governo norte-americano implementou uma série de tarifas sobre produtos da China – que, por sua vez, retaliou taxando importações de produtos agrícolas dos EUA.


Em meio a essa guerra comercial, o Brasil se consolidou como o principal fornecedor de produtos de agronegócio ao país asiático em 2017. As exportações brasileiras cresceram à incrível taxa de 20% ao ano desde 2000, atingindo US$ 63 bilhões em 2023. Já as vendas dos EUA para a China cresceram 9% o ano, e hoje estão na faixa dos US$ 35 bilhões. As exportações brasileiras de soja para a China atingiram 74 milhões de toneladas, enquanto as dos EUA ficaram estacionadas em torno de 25 milhões de toneladas. O produto é a principal commodity exportada pelos dois países para a China.

O governo de Joe Biden manteve as tarifas implementadas pelo governo anterior, que podem agora ser majoradas. Trump falou em impor uma tarifa de 60% sobre todos os produtos chineses (a tarifa média hoje é de 11,3%) e em estabelecer uma tarifa linear de 10% a 20% sobre todas as importações que entram no país. Embora seja muito difícil implementar essa promessa plenamente, uma tarifa de 20% a 30% sobre produtos chineses parece bastante plausível.

Seria uma política de “comércio administrado” que resgataria a velha e surrada visão mercantilista do mundo, baseada em um “toma-lá-dá-cá” dirigido a países com os quais os EUA têm déficit comercial. Essa política teria a China como principal alvo, e privilegiaria alianças com países ideologicamente próximos (friendshoring).

É preciso levar a sério a promessa de Trump de adotar medidas protecionistas contra a China. Em 2016, ele não tinha uma equipe pronta e montou um secretariado com membros mais moderados do Partido Republicano e do setor privado. Segundo relatos de dentro do governo, esses assessores tentaram moderar, ou ao menos controlar, várias propostas feitas pelo presidente. Trump, agora, será um presidente “sem freios”. Ele vai escolher uma equipe muito mais leal, que colocará suas preferências em prática, e será auxiliado por assessores com uma visão geopolítica muito antagônica em relação à China.

Essa dinâmica pode beneficiar as exportações brasileiras do agronegócio, mas menos do que oito anos atrás, por diversos motivos.

Primeiro, porque a consequência da disputa comercial entre China e EUA foi um aumento do preço da soja na China (e, por tabela, das carnes), com o Brasil ganhando mercado naquele país e os EUA precisando buscar outros destinos. Assim, aumentar ainda mais essas tarifas definitivamente não é um bom negócio para a China, que se beneficia da oferta alternada de soja no Hemisfério Norte (EUA) e no Hemisfério (Brasil e Argentina). Portanto, há indícios em Pequim de que a China pode retaliar contra as tarifas americanas por meio de outros instrumentos, em vez de impor tarifas tão amplas sobre os grãos norte-americanos.

Segundo, porque o provável aumento da venda de outros produtos brasileiros como carnes (bovina, suína e de aves), milho e algodão à China seria positivo, mas aumentaria a dependência daquele mercado, que já compra 40% do que o agronegócio brasileiro exporta.
O Brasil também precisa estar atento a três grandes riscos. Primeiramente, uma dependência ainda maior da China em um número tão limitado de commodities obriga o país a diversificar suas exportações e os mercados-destino.

O segundo é o perigo de que um aumento brutal das tarifas americanas leve os chineses a buscarem uma grande barganha bilateral que garantiria aos produtos agrícolas norte-americanos acesso privilegiado à China, entre outras concessões. Em Pequim, já há relatos de que as lideranças locais vão recorrer ao empresário Elon Musk, que terá grande influência no governo Trump, para encontrar canais de negociação.

Por fim, uma nova guerra comercial entre EUA e China pode resultar em uma explosão global de barganhas mercantilistas que enterrariam de vez as regras multilaterais de comércio do sistema GATT-OMC, que levaram seis décadas para serem construídas. Guerra comercial não deve jamais ser comemorada. No final do século XIX e no período entreguerras do século XX, o mundo viveu “espirais protecionistas” cujas consequências foram as mais nefastas possíveis: recessão, inflação, desemprego e guerras.

As políticas do governo Trump também devem resultar na perda de força da agenda ambiental e climática com os EUA voltando a sair do Acordo de Paris, porém mantendo os subsídios para investimentos domésticos em energia renovável criados pelo governo Biden (IRA), incluindo a busca de reciprocidade nas tarifas do etanol que os americanos querem exportar para o Brasil. Além disso, as fortes restrições à imigração podem afetar a disponibilidade e custo da mão de obra na agricultura e na agroindústria dos EUA.

A consolidação internacional do Brasil como um dos principais players do agronegócio global exige que esse setor acompanhe atentamente os novos rumos da geopolítica global, montando estratégias e ações público-privadas para enfrentar a nova realidade de forma racional, organizada e competente.