Responsável por 27% das emissões diretas de gases de efeito estufa do Brasil, sem contar desmatamento, a agropecuária precisa mais do que as metas nacionais de descarbonização para reduzir seu impacto sobre a crise climática.
Para indústrias e produtores rurais, são necessários projetos bem estruturados e crédito disponível e voltado às especificidades da produção de baixa emissão para dar escala à agropecuária de baixa emissão de carbono.
“Temos 20% das emissões [de gases de efeito estufa] do mundo, mas não recebemos 5% do dinheiro do mundo”, observa Eduardo Bastos, CEO da MyCarbon, subsidiária da Minerva Foods voltada à comercialização de créditos de carbono. Para o executivo, há dinheiro disponível para apoiar a redução das emissões no setor, mas é preciso uma mentalidade de longo prazo por parte dos investidores e projetos bem estruturados, com metas claras de entrega, por parte dos produtores, para atrair os recursos. Bastos participou ontem do 1º Fórum Futuro do Agro, promovido pela “Globo Rural” e pelo Imaflora.
O Programa ABC, que fornece crédito subsidiado para práticas de baixo carbono, já exige dos produtores projetos detalhados e metas. E, embora haja contratação de praticamente todo o crédito disponibilizado, o governo ainda vê espaço para aumentar o financiamento à transição ambiental das fazendas.
“Para a agricultura de baixo carbono ocorrer em escala, toda uma estrutura de mercado de carbono precisa ser estabelecida”, diz Marina Piatto, diretora executiva do Imaflora. “Precisamos ter mais clareza de como o carbono no agro tem que se viabilizar no Brasil”.
Busca na capacitação
Fabiana Vila, diretora do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação do Ministério da Agricultura, diz que a Pasta está buscando capacitar os agentes do mercado financeiro para oferecer o crédito do programa para os produtores. “É um produto de prateleira. Como tem que ter um projeto feito por um técnico, é difícil, o gerente acaba não oferecendo”, diz Vila, que também participou do fórum.
O BNDES já vem atuando para apoiar a elaboração de projetos e de estruturas financeiras que viabilizem o crédito para projetos de restauração. Para a pecuária, o banco de fomento iniciou uma chamada pública para elaborar uma metodologia de mensuração de carbono na atividade, que deve basear a formação futura de linhas de financiamento para a transição do segmento.
“Posso fazer como na linha para o RenovaBio, para trabalhar com os clientes para mudar seu comportamento e irem para prática que emitem menos carbono”, diz Bruno Aranha, diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES. Para Aranha, o banco de fomento precisa apoiar os projetos que demandam prazos mais longos, como de florestas, e mais diversos. “Estamos acostumados a financiar projetos grandes de monocultura. Um sistema agroflorestal, que planta cacau, mandioca, mogno no mesmo local, com vários ciclos diferentes, não cabem hoje numa planilha de uma instituição financeira”, reconhece.
Adequação dos produtores
Há ainda desafios como a adequação dos produtores aos critérios das instituições financeiras. Apenas a pecuária de corte tem hoje mais de 2 milhões de fazendas, sendo 75% de pequeno porte. “Grande parte destes é voltado para a cria [de animais] e tem uma dificuldade monumental de acessar recurso, tecnologia e assistência técnica”, avalia Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade da Marfrig. O principal gargalo dos pequenos produtores é a adequação aos critérios básicos de contratação de crédito, como regularização fundiária e ambiental, diz.
“O Brasil hoje não tem disponível instrumentos de crédito adaptáveis e que se encaixem às necessidades que o agro demanda, então quem precisa não acessa o recurso e não vai fazer [a mudança]”, critica Pianez.
O problema é que o ritmo de regularização ambiental para viabilizar esse acesso a crédito está bem aquém da necessidade. O processo todo pode levar entre três e cinco anos, e o caso mais rápido acompanhado pela JBS, em Marabá (PA), levou oito meses, segundo Liege Vergili, diretora de sustentabilidade da Friboi, da JBS. “Se não houver parceria dos governos, a demora inviabiliza a disposição do produtor de ir procurar [a regularização e o crédito]”, diz. Os três grandes frigoríficos do país – JBS, Marfrig e Minerva – vêm executando projetos para impulsionar a regularização dos produtores.
Na JBS, já foram reintegrados hoje ao fornecimento de gado 3,7 mil pecuaristas, dentro de uma base de mais de 85 mil, e na Marfrig, já são 2,4 mil fazendas regularizadas, que representam 26% do abate da companhia.
Entender a demanda
Do lado de quem oferta crédito no mercado privado, também há dificuldades para entender a demanda específica dos produtores de cada local. “Já vi financiamento internacional em que uma das rubricas não financiava cerca, mas financiava drone”, critica Isabel Ferreira, diretora executiva da Rede ILPF. Mesmo a adoção de modelos de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), que já alcançam hoje 17,3 milhões de hectares no país, ainda encontram maior dificuldade em incorporar a parte florestal, seja por dificuldade logística, seja por demora na monetização da atividade. Ferreira reconhece que é “difícil” convencer o produtor a reservar uma parcela de sua propriedade para a produção florestal, “Ali ele só vai colher em cinco ou 10 anos.” A solução, defende, é construir com as indústrias modelos de negócios que antecipem renda para o produtor.