Se o governante da vez não atrapalhar, foco no pré-sal e política de paridade de preços internacionais prometem ainda bons anos de lucratividade à estatal. No entanto, risco político vai além. Falta de planejamento de longuíssimo prazo, em meio ao entra e sai de presidentes da República, mantém companhia a anos-luz de gigantes globais como BP, Shell, Exxon e Chevron no começo do ‘adeus’ ao petróleo
Petroleiras deixando de explorar petróleo. Não parece algo muito palpável? E não é mesmo, ao menos no horizonte em que os olhos alcançam. Seja como for, mirando décadas à frente e ainda que relutantes, as gigantes do setor global começaram a engatinhar nessa direção. Mas não, não é o caso da Petrobras (PETR3/PETR4). Sim, a estatal integra o seleto grupo das maiores do setor de óleo e gás do mundo. Mas está mergulhada, como se convencionou a dizer no mercado, “a fazer o que sabe de melhor”. Ou seja, procurar e tirar petróleo do fundo do oceano. Mais exatamente, da camada do pré-sal descoberta em 2006. Evento que, num estalar de dedos, fez o governo brasileiro jogar fora a estratégia então assumida de diversificar a atuação na empresa, focar no biodiesel, menos poluente, e de fazer do Brasil exemplo de economia verde.
De lá para cá, como se sabe, não nos tornamos exemplo para o mundo nem de “economia”, quem dirá de “verde”… Quer dizer, até nos tornamos exemplo, mas do que não deve ser feito. Enfim.
Nesse meio tempo, concorrentes globais como Royal Dutch Shell, ExxonMobil e Chevron estão bem mais adiantadas em expandir as matrizes energéticas exploradas – ainda que forçosamente.
A verdade é que elas foram chamadas na chincha. Ativistas, na Holanda, se movimentaram para obrigar na Justiça a Shell a reduzir emissões de carbono em 45% até 2030 em relação à 2019. Já nos Estados Unidos, acionistas pressionaram para dois novos membros comprometidos com a causa climática ingressarem na diretoria da Exxon. No caso da Chevron, donos de ações votaram em peso a favor da uma resolução um tanta vaga, mas significativa: a companhia precisará “reduzir substancialmente” emissões de carbono dos produtos que produz. Hoje, combustíveis fósseis.
Um caso a parte nessa história é a BP, antiga British Petroleum – que não por acaso ocultou o “petróleo” em seu nome de guerra, ressalta William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities.
Quando se entra no site da empresa, as primeiras fotos não são de plataformas de petróleo. Mas sim de árvores. A meta estipulada pela atual direção merece destaque na página. Tornar as suas operações, até 2050 ou antes disso, completamente neutras em emissão de carbono. Para o mesmo prazo, cortar à metade a emissão dos produtos que comercializa. Como? Aumentando investimentos em negócios não vinculados à exploração de petróleo e gás.
Para sermos justos, a Petrobras ameaçou no fim do ano passado deixar de comer poeira na corrida da energia limpa. Anunciou o compromisso de cortar em 25% o carbono emitido em suas operações até 2030. O que foi levado à público com desdém pelo antigo presidente, Roberto Castello Branco. “Deste lado do Atlântico, temos uma visão diferente sobre a mudança climática”, disse em dezembro de 2020, ao comentar o passo mais acelerado das concorrentes.
O novo presidente, Joaquim Silva e Luna, ainda não tocou no tema ao falar com imprensa. A ver se está mais alinhado aos consensos da comunidade científica internacional ou se, como o antecessor, entende que o inferno do aquecimento global são apenas os outros.
Sempre ele, o risco político
Há de ser ponderado que o caminho escolhido mais recentemente pela Petrobras está umbilicalmente ligado à Lava Jato. Desde 2016, pós-operação, estatal tem buscado, com êxito, maior eficiência e, consequentemente, melhores nos resultados financeiros. Desvencilhar-se de penduricalhos muitas vezes usados por interesses pouco republicanos faz parte do processo de reconstrução pós-vendaval.
Saltam mais aos olhos interferências intempestivas como a de fevereiro. Para acalmar caminhoneiros, o presidente Jair Bolsonaro decidir sacar da liderança da Petrobras o chicago-boy Castello Branco, aclamado pelo mercado, para dar lugar ao ilustre desconhecido general da reserva Silva e Luna. Mas o risco político se apresenta aos acionistas da estatal não só quando a popularidade do governo está em xeque.
Digamos que, em 2022, assuma o Planalto uma gestão mais verde, digamos. O que garante que, quatro anos depois, a nova estratégia será respeitada? Dentro de uma mesma gestão, aliás, isso é possível — caso do governo Lula e do cavalo de pau dado após a descoberta do pré-sal.
“Por tudo que aconteceu, faz sentido a Petrobras focar no pré-sal, gerar caixa numa janela de uns 10 anos. Mas e depois? Temos os exemplos da concorrência global e mesmo a China. Conhecida pela contribuição dada ao aquecimento global, parece determinada a mudar isso em poucas décadas”, diz o executivo da Avenue. “É preciso ter outras metas, e há uma dificuldade muito grande em termos de direcionamento. Seja lá qual for o presidente, quem chega lá não pensa num horizonte de décadas.”
Mas esse descompasso entre a postural da estatal brasileira e onda verde das concorrentes reforça de que maneira a empresa deve ser encarada por investidores
Para Castro Alves, a Petrobras não cabe na caixinha das blue chips. Por padrão, esse carimbo é dado a ações de empresas com bastante liquidez, perfil no qual a Petrobras se encaixa. É a segunda com maior fatia no Ibovespa hoje, de 9,94%. No entanto, na visão do estrategista, a estatal foge à regra de ter um modelo de negócios sólido a ponto de garantir de sucesso longínquo a uma carteira de investimentos.
“A Petrobras deve ser vista como o que de fato é, uma empresa cíclica. O ciclo, agora, é favorável, não se deve reduzir exposição a companhia neste momento”, diz. “É hora de sugar todo o retorno oferecido pelo petróleo em rali, no lastro da retomada das grandes economias”, diz. “Agora, para quem pensa em ter a ação por 20, 30, 40 anos, pensando em aposentadoria? Não. A oferta de petróleo muita aquém da demanda vai passar. E a Petrobras tende a pagar o preço por não diversificar seu negócio.”
Ela tem uma visão mais positiva sobre as oportunidades geradas pela Petrobras a investidores, a despeito de a empresa dar de ombros à onda verde. De acordo com ela, há sim uma transição em curso. Mas fontes renováveis de energia, como eólica e solar, não serão dominantes do dia para a noite. E o petróleo tende a dominar parte importante da matriz global ainda por bom tempo.
“Quando a gente olha a demanda por petróleo no mundo, metade vem de países desenvolvidos e que fazem uma série de medidas procurando migrar rapidamente para uma matriz menos poluente. Mas metade disso vêm dos emergentes. O crescimento dos países em desenvolvimento ao longo dos anos, então, tende a mais do que compensar a redução de consumo dos países mais ricos”, diz. “A demanda global deve seguir crescendo até por volta de 2040.”
O risco político que mais tem incomodado Araujo é mesmo o que mais ganhou destaque recente no noticiário. No começo do ano, já quando começou o “zumzumzum” sobre troca de comando no Banco do Brasil, depois confirmada, a Macro zerou posições na Petrobras. Feita a troca ruidosa de comanda na petroleira, no entanto, a decisão foi de voltar a apostar nas ações da companhia.
“Muita coisa de positivo acabou acontecendo na empresa que suporta a tese de investimento em Petrobras”, diz. “O primeiro ponto é que a ação caiu muito, e o discurso depois disso da nova direção foi positivo, o de reduzir volatilidade de preços de combustíveis, mas sem rasgar as regras de paridade com os preços internacionais.”
Além disso, Araujo aponta para os novos membros do conselho da empresa como boa razão para crer na manutenção da melhoria de fundamentos dos anos recentes. “Uma série de nomes de perfil mais técnico foram eleitos.” Como terceiro ponto a favor da companhia está o resultado financeiro mais quente no retrovisor, com a divulgação do balanço do primeiro trimestre. “Mesmo ainda com as dúvidas trazidas pela pandemia, veio uma forte geração de caixa e uma redução de dívida muito grande, num ritmo que parece ter se mantido no segundo trimestre.”
Para quem mira no curto e médio prazo ainda favorável à Petrobras, a gestora acrescenta ainda a valorização do real. As polêmicas recentes de interferência do Planalto na empresa, recorda, vieram com preços de combustíveis subindo não só em função do rali do mercado futuro de petróleo, mas do dólar nas alturas, que chegou perto dos R$ 6. A cotação ainda está longe de voltar ao chão, mas o câmbio está mais barato. “Isso diminui o risco de mais intervenções do governo e mais ruídos”, diz.
Sobre o foco no pré-sal, em detrimento de expandir tentáculos à energias mais limpas, Araujo se atém aos números. “Desde a descoberta até aqui os resultados da Petrobras superou, e muito, as expectativas. O pré-sal demanda investimentos grandes, com equipamentos muito custosos, mas a produtividade das plataformas tem sido muito grande.”
Cá entre nós, outros valores além do lucro em bolsa estão em jogo na vida. Se a saúde das próximas gerações lhe for cara, há ações com potencial de retorno alinhadas a boas práticas. Não à toa existe a primeira letrinha do ESG (sigla em inglês para critérios Ambientais, Sociais e de Governança incorporados a teses de investimento). Agora, se você achar que tudo isso é papo de “ecochato”, a Petrobras parece mesmo uma boa pedida para sua carteira de investimentos.