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Integração

Do campo à mesa: a saúde do trabalhador no processo de produção de alimentos

O Brasil de Fato percorreu a cadeia produtiva de aves para identificar os problemas de saúde que envolvem trabalhadores

Do campo à mesa: a saúde do trabalhador no processo de produção de alimentos

Na mesa da típica família brasileira há pão, leite, arroz, feijão, legumes e verduras, além de carnes diversas. Apesar de ser considerada uma dieta balanceada, por trás das refeições mais comuns existe toda uma cadeia produtiva, quase invisível quando se olha apenas para o prato. Ao longo desse processo, trabalhadores e especialistas apontam para diversos problemas, que se relacionam tanto com produtores quanto com consumidores.

Para refletir sobre o tema, o Brasil de Fato seguiu o percurso de um dos alimentos mais frequentes nas mesas do país: o frango. Com uma produção de 13,146 milhões de toneladas em 2015, segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Brasil é o segundo maior produtor da ave no mundo. Do total, 4,3 milhões de toneladas foram para exportação. No consumo interno, a média foi de 43,25 quilos de carne de frango per capita.

“Integração”

Os frangos congelados, tão comumente comprados em mercados, antes de chegarem à mesa do consumidor final, passam por um longo processo. E tudo se inicia na criação dos animais, que é voltada para grandes frigoríficos e se dá através do modelo de integração. Nesse sistema, as empresas entram com os filhotes, a ração e a assistência técnica. Do outro lado, os pequenos produtores garantem a mão-de-obra e a construção do galpão, local onde se desenvolvem os animais.

O modelo, entretanto, é alvo de várias críticas. “O que é mais difícil para o produtor é a questão da renda. Se investe bastante na organização do galpão, no cuidado com os animais e o retorno não é suficiente”, afirma Antoninho João Muranini, que já trabalhou na criação de frangos. Hoje, ele se dedica à produção de leite e é membro do Sindicato da Agricultura Familiar (Sintraf) de Chapecó e Região.

Muranini explica que o preço pago pela produção é determinado pelas grandes empresas: “Nesse contrato de parceria, o agricultor passa a ser um empregado sem direitos trabalhistas. Você trabalha dia e noite, de domingo. Não tem férias, nada. Tem que obedecer às ordens da empresa”, argumenta.

Ele ainda critica o fato de que o modelo acaba criando uma dependência do agricultor em relação a uma única empresa, por serem impedidos por contrato de vender para outras, o que gera preços tabelados e baixos.

André Campos Burigo, professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz, vai mais longe na crítica e afirma que essa é uma forma de manter o “trabalhador preso a esse sistema”.

“A situação é dramática. É o domínio total das empresas, um tipo moderno de escravidão. Significa 365 dias por ano de trabalho. A empresa define o valor pago pela carne ao agricultor e determina a forma como se deve trabalhar”, aponta o professor.

De acordo com Burigo, esse modelo reflete a maneira como o capital se desenvolve em locais onde historicamente a grande propriedade tem menor peso. “Quando se fala em agronegócio, a gente tende a pensar no latifúndio. Essa é apenas uma das expressões. Ele se expande também para a agricultura familiar, capturando a pequena propriedade através dos contratos das grandes empresas”, diz.

O próprio desenvolvimento do animal também seria afetado: “Há metas e prazos na produção. Estamos falando em um pinto de 30g se tornar um frango de 2,5kg em 40 dias. Um frango caipira leva mais que o dobro do tempo – cerca de 90 dias. Como há seleção genética para se ter algumas partes mais desenvolvidas, o sistema imunológico do frango se torna fragilizado. Se utiliza, por exemplo, antibiótico na água de forma ‘preventiva’, sem o animal estar doente”.

Agroindústria

Quando pronto para o abate, o animal é levado à indústria de processamento. É nesse momento que a ave se converte em alimento para o mercado consumidor. Junto à criação, as condições de trabalho na agroindústria também são alvo de críticas.

O ambiente em frigoríficos é frio e úmido. Em alguns casos, a temperatura constante chega a 8º C. Jenir Ponciano de Paula, presidente do Sindicato de Alimentação (Sintracarne) de Chapecó, afirma que, apesar de considerar que o trabalho no setor “tem melhorado” por conta da automatização de alguns processos, o dia-a-dia ainda é “penoso e árduo”.

“O ritmo da agroindústria é bem acelerado. Ainda há muitos trabalhadores adoecendo por contra da sua atuação nessa área”, diz de Paula. Para ele, o que tem melhorado a situação foi o surgimento da Norma Regulamentadora (NR) 36, que estipula requisitos para a segurança e saúde do trabalho no setor.

Roberto Ruiz, médico do trabalho que participou da comissão nacional que elaborou a NR, concorda. “Melhorou, principalmente com as pausas [no trabalho], mas outros fatores, como o controle do frio, também contribuíram. Ainda assim, é um trabalho penoso”, constata.

Lesões por esforço repetitivo – como tendinites e problemas na coluna – são as principais doenças relacionadas à indústria frigorífica, segundo Ruiz. “O trabalho é pesado por conta da repetição. Ainda há muitas situações em que é necessário carregar peso. Mulheres que passam o dia transportando pacotes de 15, 20 kg. O que falta aprimorar é justamente a questão do ritmo. São metas, via de regra, sobre-humanas”, relata.

O médico afirma que ainda é necessário reduzir a jornada de trabalho e contratar mais funcionários na área: “Hoje, a maioria já trabalha por 1,5 ou 2 trabalhadores”.

Implementação

Em Minas Gerais, estado onde também há grande presença de frigoríficos, o Serviço Social da Indústria (Sesi) tem se esforçado para que as empresas adotem as medidas da NR 36. Para isso, a entidade criou o Programa Indústria Segura para auxiliar nessa questão. Na iniciativa, o Sesi mineiro criou um software de computador que mapeia as áreas de uma determinada empresa que estão em desacordo com as normas regulamentadoras, entre elas a 36.

“Através de um software, identifica-se quais NRs se aplicam em uma determinada empresa e quais requisitos de cada norma são mais aplicáveis. Dessa verificação, nós avaliamos a conformidade da empresa com a legislação. Para as não conformidades, são gerados planos de ação para que se tome providências”, explica Alfredo Santana, gerente de Saúde Empresarial do Sesi-MG, área responsável pelo programa.

“A partir do trabalho do Sesi, a gente pode apresentar propostas de execução de soluções, desde as mais simples e rotineiras até as mais complexas. Temos muito trabalho na indústria frigorífica relacionado à NR 36. Dentro desse programa, temos muitas questões relativas à ergonomia”, complementa.

A expectativa é que o software desenvolvido em Minas Gerais se expanda pelo país. De acordo com Santana, quatro estados também adotam o sistema: Maranhão, Goiás, Roraima e Paraná.