Depois de vários dias numa campanha que culpa os empresários pela inflação, o governo argentino desviou ontem o foco para o campo e anunciou um sistema de controle de toda a movimentação de grãos no país. A partir de 1º de abril só poderão ser vendidos grãos previamente registrados na Administração Federal de Ingressos Público (Afip), o equivalente à Receita Federal no Brasil.
Chamada de “registro de grãos”, a resolução publicada ontem determina àquele que trabalha com o armazenamento e comercialização declarações constantes de todo o estoque, com dados como peso e colheita de origem. Qualquer movimentação também terá que ser registrada na Afip, que pretende comandar a operação por meio de sua página de internet.
A resolução surpreendeu o mercado e foi criticada pelas lideranças do setor. Em uma nota, o presidente da Sociedade Rural Argentina, Luis Miguel Etchevehere, disse que “o governo vive do campo, mas não deixa o campo viver”. Ao destacar que faz cinco anos que os representantes do setor esperam ser recebidos pelas autoridades argentinas, Etchevehere disse que o governo já tem controle de toda a produção e que “a inflação é que deve ser controlada a e não as vendas”. A expectativa é que a inflação na Argentina passe de 30% este ano.
O controle das vendas de grãos é anunciado a poucos dias da temporada da colheita da soja, uma das principais esperanças do governo argentino para tentar reverter a perda de reservas, que soma hoje US$ 27,7 bilhões. A despeito das chuvas, que prejudicaram algumas áreas de plantio, espera-se uma colheita recorde, em torno dos 55,5 milhões de toneladas.
A súbita desvalorização do peso, que chegou em 25% em apenas dois dias, em janeiro, foi uma tentativa do governo de forçar os produtores do setor agrícola a liquidar contratos de exportação. “O governo ataca permanentemente a produção, mas, por outro lado, fica de olho no relógio para ver quando chega a colheita para poder ter divisas”, destacou o presidente da Sociedade Rural.
A valorização do dólar de 6,8 para 8 pesos em janeiro seria, em tese, uma forma de estimular a liquidação dos contratos. Mas, diante das incertezas que se seguiram à crise cambial, com o câmbio oficial ainda distante do paralelo, muitos produtores continuaram a resistir na expectativa, em grande parte, de que o peso se desvalorizaria ainda mais. Mas a cotação da moeda americana no câmbio oficial tem se mantido em torno de 7,7 pesos.
Diante da resistência dos produtores argentinos para liquidar contratos de exportação, alguns políticos governistas chegaram a sugerir a volta da chamada Junta Nacional de Grãos, um instrumento de controle federal criado por Domingo Perón, que vigorou até o governo de Carlos Menem, em 1991.