Do porco “banha” ao suíno light – essa é a trajetória que a pesquisa da Embrapa ajudou a construir na cadeia suinícola do Brasil em busca de maior rentabilidade aos produtores. Desde o lançamento do primeiro suíno light, o MS58, há 18 anos, até a recente apresentação da fêmea suína Embrapa MO25C, a aposta é em uma carne diferenciada, com baixo teor de gordura, e com valor agregado para que produtores possam atuar de maneira competitiva no mercado. São quatro produtos comerciais na área de genética e várias recomendações em nutrição animal para melhorar o rendimento e a qualidade de carne, como a adição de óleos na ração para obtenção de uma carne enriquecida com ômega 3.
A partir da entrada no mercado, o reprodutor desenvolvido pela Embrapa permitiu o acesso ao melhoramento genético principalmente para produtores independentes, que não fazem parte da integração das grandes agroindústrias. Essa fatia de mercado, de acordo com o pesquisador Elsio Figueiredo, que conduz o trabalho de melhoramento genético, é reflexo da vantagem que o animal representa. “Ele está no nível dos melhores reprodutores híbridos comerciais vendidos no Brasil e é ofertado com um preço acessível a todos os tipos de produtores”, comenta.
Com a recente inclusão da fêmea suína Embrapa MO25C, a pesquisa de genética de suínos evoluiu para atender também nichos especializados. “A produção de material genético suíno no Brasil está concentrada em grandes empresas do setor, dificultando o acesso de pequenos produtores à genética de qualidade a preços acessíveis. Por isso, a Embrapa decidiu implementar esse projeto de desenvolver uma linha fêmea “que pudesse ser utilizada com a linha macho que está no mercado, para produzir carne com qualidade diferenciada”, argumenta Figueiredo.
A presença da genética da Embrapa, com o suíno MS115, terceira geração do suíno light, no mercado nacional de machos híbridos encerrou o ano de 2013 com um índice de 7,5%. Em 2012, a presença era de 7%.
Produtores de todos os estados e regiões do Brasil estão satisfeitos com o suíno light da Embrapa, especialmente porque os animais de abate gerados a partir dos reprodutores MS115 consomem menos ração para atingir o peso, têm potencial genético para carne na carcaça acima de 62%, reduzida espessura de toucinho e excelente concentração de carne no lombo, pernil e paleta.
O produtor Mauro Morais, de Guanambi, região centro-sul da Bahia, conheceu o suíno light da Embrapa através da indicação de amigos, há oito anos, e garante que o resultado é muito bom. “A carne do MS é muito boa e muito bem aceita pela população aqui da região de Vitória da Conquista”, comenta.
Outro produtor que trabalha com a linhagem da Embrapa, desde o lançamento do MS115 em 2008, é José Rossetto, da Suinocultura Rossetto, de Cerqueira César, região sudoeste de São Paulo. “Considero as principais características do suíno da Embrapa, e que o diferenciam da concorrência, a rusticidade, a boa conformação de carcaça e o ganho de peso”. Para os consumidores, destaca a carne com pouca gordura, e por causa disso, a boa aceitação no mercado.
Edinilson Bazzi, da TopGen, de Jaguariaíva, no centro oriental do Paraná, está no mercado com o MS115 há alguns anos, trabalhando com pequenos produtores da região centro-sul, que avaliam muito bem o desempenho e a carne do suíno da Embrapa. “O MS115 é um animal que tem bom desempenho e boa conversão alimentar, o que faz muita diferença no ganho de peso e melhora a carcaça”, diz. Sobre a carne, também é só elogios. “A qualidade da carne é ótima, é uma carne magra, justamente o que o mercado exige atualmente”.
A trajetória da pesquisa
A exigência da sociedade em consumir alimentos mais saudáveis levou o mercado a valorizar a produção de animais com mais quantidade e qualidade de carne na carcaça. Isso afetou produtores e mudou a relação financeira com as agroindústrias, especialmente quando elas, com o apoio do Ministério da Agricultura e Abastecimento, nos anos 1980, implantaram um sistema de tipificação da carcaça.
De acordo com o ex-pesquisador da Embrapa, Jerônimo Fávero, que conduzia as pesquisas na área, esse sistema foi motivador e orientador para a produção de carcaças com mais qualidade. “Os produtores tinham que comercializar com mais qualidade e não mais pela classificação ‘carne’, ‘misto’ ou ‘banha’. Então, começou a busca por melhores índices de carne na carcaça. E, uma das maneiras de conseguir isso de maneira progressiva, duradoura e cumulativa era por meio do melhoramento genético”, lembra Fávero.
Assim, iniciou o projeto de pesquisa em melhoramento genético de suínos da Embrapa, que resultou, em 1996, no lançamento do primeiro suíno light, o Macho Sintético Embrapa – MS58, em parceria com a Cooperativa Central Oeste Catarinense (Coopercentral).
O desenvolvimento dessa linha sintética de reprodutores terminais utilizou o cruzamento de três raças, todas com características de carne mais magra na carcaça, o que proporciona melhor conformação e rendimento dos cortes nobres, muito valorizados pela indústria e consumidor. Além disso, a denominação do animal está relacionada ao rendimento da carne na carcaça, superior a 58%. “Esse índice era o mínimo que ele produzia”, destaca o ex-pesquisador. Segundo registros, o MS 58 foi comercializado em 14 estados brasileiros, o que contribuiu, no ano de 1999, com a produção de 1.178.452 suínos de abate, representando 6,1% do abate de suínos inspecionados.
Em 2000, a Embrapa lançou no mercado a segunda geração do suíno light, o MS60, que também apresentou melhorias genéticas e teve como principal característica ser livre do gene halotano, responsável pelo stress dos suínos terminados. “Ele veio com mais quantidade e qualidade de carne representando um animal produtivo, que trazia mais renda e com preço acessível”, destaca Jerônimo Fávero.
Na continuidade da pesquisa de melhoramento genético, a Embrapa Suínos e Aves e a Aurora lançaram, em 2008, o MS115, representando a terceira geração do suíno light. “A proposta foi adaptar a produção à nova realidade do mercado, que exigia animais mais pesados para o abate, sem perder as características de qualidade de carne”, explica o pesquisador Elsio Figueiredo, responsável pelo desenvolvimento do suíno. A linhagem apresenta potencial genético para carne na carcaça acima de 62%, reduzida espessura de toucinho e excelente concentração de carne no lombo, pernil e paleta. Ele confere, ainda, aos descendentes uma ótima conversão alimentar, ou seja, a quantidade de ração necessária para gerar cada quilo de peso vivo, até 115 kg, é menor, garantindo a rentabilidade da produção.
A linha especializada
E a evolução dos suínos light e do programa de melhoramento genético suíno da Embrapa não parou apenas nas linhagens de reprodutores terminais. No mês de setembro, durante a Expointer, em Esteio (RS), a Embrapa lançou a fêmea suína Embrapa MO25C, que foi concebida para ser versátil, com boa produção de leitões, mas que transmita também melhor qualidade de carne aos suínos de abate. Ela é voltada para sistemas de produção que abastecem supermercados, churrascarias, restaurantes, mercado externo diferenciado e produtos curados (presunto, copa, salame), que exigem cada vez mais qualidade de carne in natura, mas também pode ser utilizada por sistemas que produzem carne para industrialização em sistemas intensivos.
“Essa opção de trazer qualidade da carne também pelo lado da fêmea é pouco explorada no Brasil. Geralmente, todas as linhas fêmeas são especializadas na produtividade de leitões. Esse foi um espaço percebido pela Embrapa com potencial de trazer benefícios para a produção de carne de qualidade, especialmente para produtores independentes e de pequenas integrações”, diz o pesquisador da Embrapa.
A escolha do nome MO25C está ligada ao cruzamento utilizado no desenvolvimento da linhagem. Foram utilizados suínos da raça Moura, muito difundidos na região do Sul do Brasil nas primeiras décadas do século passado, sem registros de sua origem. “Como estávamos preocupados com a extinção da raça e a perda de genes importantes para o melhoramento genético, resgatamos alguns rebanhos com a colaboração de vários produtores tradicionais e da Universidade Federal do Paraná e iniciamos os estudos de viabilidade do uso dos Mouras para melhorar a qualidade da carne”, explica o pesquisador Figueiredo. “Essa denominação, portanto, homenageia a todos os que se preocuparam com a preservação da raça Moura”, enfatiza.
Agregando valor à pesquisa
Para atender melhor às necessidades e expectativas dos produtores e, consequentemente, dos consumidores, a Embrapa também desenvolveu uma pesquisa para agregar valor à carne dos suínos light por meio da nutrição. Ou seja, paralelamente ao desenvolvimento da fêmea suína MO25C, pesquisadores da área de qualidade da carne trabalharam em um experimento de adição de óleos na ração dos animais, que resultou numa carne com alto teor de ômega 3, um ácido graxo que atua de diversas formas na melhoria da saúde humana. “É preciso que se diga, inicialmente, que a carne suína produzida em larga escala nos sistemas industriais de produção já é uma carne de ótima qualidade nutricional. No entanto, nossa intenção era desenvolver produtos diferenciados, com valor agregado, como opção tanto para os produtores de suínos como para os consumidores”, explica a pesquisadora Teresinha Marisa Bertol, responsável pela pesquisa.
A exemplo de outros países, onde nichos de mercado são ocupados por uma grande variedade de produtos de origem animal com qualidade e valor diferenciado, a Embrapa buscou desenvolver esta opção para o mercado nacional, a qual se adequa tanto à produção em sistemas convencionais, com suínos melhorados para produção de carne magra, quanto a sistemas alternativos de produção com genótipos diferenciados. “Pensando assim, a carne suína enriquecida com ômega-3 encaixa-se nesta opção de produto diferenciado, com valor agregado em função de ser ainda mais saudável”, enfatiza ela.
De acordo com a pesquisadora Teresinha Bertol, a pesquisa, que contou com a parceria da Universidade Federal de Santa Maria e a Universidade Federal do Vale do São Francisco, foi realizada com suínos criados em sistema convencional e alimentados com rações normais, baseadas em milho e farelo de soja, até o início da fase de terminação (aproximadamente 130 dias de idade). Depois, os suínos passaram a receber uma dieta de milho e farelo de soja, mas com a inclusão de 1,5% de óleo de canola e 1,5% de óleo de linho, além de farelo de trigo (12 a 14%) para evitar aumento excessivo da energia da ração, durante os últimos 42 dias de vida. “Utilizamos suínos de um genótipo de alta qualidade de carne, que estava em desenvolvimento pela Embrapa – a MO25C, o qual produz carne com conteúdo de marmoreio mais elevado do que as raças industriais selecionadas para alta produção de carne magra”, esclarece a pesquisadora.
Em relação à questão financeira, a pesquisadora comenta que o custo de produção na granja da carne enriquecida com ômega-3 é ligeiramente maior do que o da carne normal, apenas 2,4% superior. “No entanto, esta é uma carne que pode ser vendida por preços mais elevados. Esse aumento no custo da produção primária, que já é pequeno, torna-se menor ainda quando consideramos o custo da produção industrial, envolvendo abate, corte e industrialização”, esclarece. “É possível obter maiores elevações nos níveis de ômega-3 na carne do que os mencionados, desde que se aumente a quantidade de óleo de linho da dieta, ou o período de fornecimento. A viabilidade prática deste tipo de produto diferenciado dependerá da capacidade da cadeia produtiva de dar valor de mercado para esta melhor qualidade do produto. Por causa das características do consumidor moderno de busca por produtos saudáveis, esta pode não ser uma tarefa difícil”, destaca a pesquisadora Bertol.