Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Artigo

A Abimaq e o PIB - por Antonio Delfim Netto

Leia artigo do ex-ministro da Fazenda publicado no jornal Valor Econômico.

A Abimaq e o PIB - por Antonio Delfim Netto

Em condições normais, a importação é um fator de produção tanto quanto o trabalho ou o estoque de capital. Mas, quando temos “condições normais”? Quando a taxa de câmbio é o preço relativo que (com uma estrutura de tarifa efetiva adequada) produz o equilíbrio entre o valor do fluxo das exportações e das importações de bens e serviços produtivos e a política fiscal tem espaço para acomodar, sem custos exorbitantes, as eventuais flutuações produzidas pelo aumento das oportunidades de investimento estrangeiro. Isso exige que a taxa de juro real interna seja igual à externa. Para que haja reciprocidade na alocação eficiente dos fatores as mesmas condições devem valer para todos os participantes do comércio internacional. Não é assim, quando os parceiros fazem manobras para desvalorizar as suas moedas e expandir as suas exportações, à custa da redução da produção nacional dos outros.

A taxa de câmbio é, sempre, de uma forma explícita ou velada, sujeita à vigilância das autoridades de cada país, atenta aos seus efeitos que podem ser devastadores quando o desequilíbrio pode durar alguns anos e produzir cicatrizes definitivas na estrutura produtiva do país. Não tenhamos ilusão: a taxa de câmbio sempre foi, é e será instrumentalizada.

Alguns ficaram surpresos com o resultado do pequeno crescimento do PIB em 2011. Não deviam. Era evidente que nossa política monetária usando as medidas prudenciais e a alta da taxa de juros no início do ano estava tentando controlar a demanda global. O crescimento da economia estava rodando a 7,5% ao ano no quarto trimestre de 2010 com relação ao seu homólogo de 2009 e já no 1º trimestre de 2011 havia caído para 2,7% na mesma comparação. Terminamos com um crescimento de 2,7%. Qual o principal fator dessa desaceleração?

A resposta é simples: o afundamento da indústria de transformação. Ela cresceu apenas 0,1% no ano e registrou uma queda de 2,5% no 4º trimestre com relação ao 3º. Se tivesse se expandido no ano apenas 3%, o PIB provavelmente teria crescido 3,5% pelos efeitos multiplicadores do setor. É claro que não se tratou apenas do “controle da demanda”, que era necessário, mas deveria ser evidente que o tal crescimento de 7,5% em 2010 era produto de um efeito estatístico. O crescimento médio do PIB entre 2008 e 2010 foi de 4,1%.

Entre 2008 e 2011 o saldo da balança comercial da indústria de transformação passou do equilíbrio a um déficit de US$ 43 bilhões. O que mudou na “produtividade” do setor a não ser a “supervalorização cambial” e a ação dos países predadores com suas moedas desvalorizadas (especialmente a China) que se defenderam da crise invadindo os mercados dos países incautos? Um cálculo grosseiro mostra que a nossa relação câmbio/salário (a taxa de câmbio real) caiu cerca de 30% no período. Com o yuan administrativamente “desvalorizado” em pelo menos 30% (além dos subsídios de toda a natureza: juros, transporte, ausência de assistência social, preços políticos do aço, energia etc) pode-se falar, sem corar, em “competição” ou diferença de “produtividade”? De resto, há evidências empíricas que a produtividade por homem/hora no chão da fábrica no Brasil e na China são praticamente iguais. A diferença está fora do portão da fábrica! Mas há muito mais. Sustentando o yuan desvalorizado, a exportação chinesa desloca deslealmente a nossa para os EUA, para a Europa e para o Mercosul. Produz um duplo efeito sobre nosso PIB: reduz o valor adicionado no nosso setor industrial e corta-lhe as exportações. Tudo sob os olhos complacentes da OMC.

A Abimaq acaba de divulgar um trabalho preocupante que deve ser analisado e levado a sério, porque os números estão cuidadosamente verificados. Entre 2004 e 2009, os preços de máquinas e equipamentos (IPA) cresceram 21,1% e o faturamento líquido do setor 32,8%, o que sugere um crescimento físico do setor da ordem de 1,9% ao ano, enquanto o PIB cresceu a 3,6% ao ano. Os preços dos insumos cresceram à taxa de 6,3% ao ano, os salários à taxa de 9%, e os encargos e benefícios à taxa de 10%. No caso dos insumos em 2011, por exemplo, a tonelada de aço no Brasil custava 30% acima do preço internacional e o gás natural, por milhão de BTU, seis vezes mais do que nos EUA!

Com esses fatos não é difícil “explicar” porque a balança comercial de bens de capital acumulou um déficit de US$ 63 bilhões entre 2004 e 2011 e a indústria química assistiu a um crescimento exponencial do seu déficit comercial no último quinquênio, atingindo US$ 26 bilhões em 2011. Nem porque o “coeficiente de penetração” nos bens de capital cresceu de 22% em 2004 para 40% em 2011, enquanto para o setor manufatureiro global passou de 11% para 20%.

O efeito acumulado do crescimento dos preços dos insumos básicos internos, da proteção da tarifa efetiva de insumos básicos importados e da “supervalorização” da taxa de câmbio entregou o mercado das indústrias de transformação à produção estrangeira, dando-lhe as condições para ocupar sua capacidade ociosa e aproveitar os ganhos de escala. Não foi sem razão, portanto, que o crescimento de 0,1% do nosso setor manufatureiro nos roubou quase 1% do crescimento do PIB. É hora de cuidar do câmbio e de proporcionar condições isonômicas para nossos produtores, o que agora tenta fazer o governo federal.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras