Começou exatamente como a minha vida foi pautada. Nasci, vivi e me criei no meio da suinocultura. Sou filho do primeiro importador de suínos DUROC do Brasil, data de 1956, onde eu já tinha 6 anos. Meu pai foi o primeiro a batizar com a palavra “maternidade” o nascedouro de leitões, porcas separadas por pequenas salas, onde pariam e os leitões, como hoje ainda, devem ser orientados para as primeiras mamadas. O detalhe importante disso é que na suinocultura o colostro da mãe é a sobrevivência do filho. Ali, ele adquire todo o seu sistema imunológico, ficando apto a se defender das doenças do meio ambiente.
Estes detalhes iam me fascinando, mesmo pequeno. Comecei a gostar da lida aos 6 anos, quando fui chamado com urgência pelo meu pai para tirar leitões de uma porca que não conseguia parir. “Tire a camisa filho, lubrifique tua mão e entra com o bracinho aqui e veja se consegue apanhar um leitão que está ali?” Eu mais que rapidamente fui adentrando no canal vaginal, alcancei o útero, toquei na boca do leitão e ele apertou, cortou meu dedo com o dentinho afiado e retirei rapidamente o braço e comecei a chorar. Meu pai assistindo a tudo, me acalmou, pegou um leitão já nascido, me ensinou como eu deveria proceder na nova tentativa e fui vencedor. Salvamos a leitegada e a porca também.
Meu amor por estes bichos começou neste dia. Com esta idade eu adorava cuidar das porcas dando cria e, na manhã seguinte, correr para o café da manhã e dar notícias ao meu pai sobre quantas porcas tinham parido e quantos filhotes tinham nascido.
Ainda contam que, por coincidência, meu pai passeando no meio das porcas comigo no colo, com dois meses de idade, no momento que algumas porcas estavam amamentando, uma teta de uma fêmea espirrou leite longe e eu estava inquieto em seu colo, colocou-me a mamar nesta teta. Por isto que eu convivo tão pacificamente com estes animais.
Ao cuidar as porcas parindo, nas noites frias e gélidas dos anos 50, não tinha energia elétrica, era um lampiãozinho a querosene, sentava sobre um saco de maravalhas e colocava meus pés sempre desnudos, embaixo do úbere da fêmea parturiente, muitas vezes adormecia ali sentado e os leitões continuavam nascendo, estando eu atento ou não. Num número grande de nascidos por porca, sempre tinha alguns que nasciam mortos, pois descolava a placenta e ao demorar mais de minuto para ser expulso nascia morto.
Mas já na época meu pai era muito esperto e conhecia bem a lida, lia bastante e pegava estes leitões mortos, levava embora e dizia: “Eu vou verificar se nasceram mortos de verdade!” No retorno quase sempre eu levava um belo puxão de orelhas, porque no meio dos mortos sempre tinha algum que já havia respirado e ele fazia um teste e descobria que neste caso eu havia adormecido e o leitão nasceu vivo, mas que por falta de atendimento morreu.
Meu pai sempre me ganhava e lá se iam os puxões de orelha. Eu não entendia como ele poderia descobrir tal façanha e me punir. Certa feita acabei percebendo que toda parturiente, no ato da expulsão do leitão, mexia muito o rabo, abanava muito devido ao grande esforço de contração. Dali em diante, comecei a amarrar uma cordinha que ia do rabo até meu braço, onde sentado, às vezes, eu adormecia profundamente, mas que cada leitão expulso, a porca mesmo me acordava ao mexer o rabo. Assim não mais deixei morrer leitões. Só mesmo os que nasciam mortos de verdade, pois os testes que meu pai fazia e depois voltava e minha orelha não ficava mais vermelha.
Ocorre que só descobri no decorrer da faculdade o que meu pai fazia para descobrir se o leitão nascia vivo ou morto. Simplesmente retirava o pulmão do leitão, colocava dentro de um recipiente com água. Se o pulmão afundava, é porque nasceu morto (neste caso o pulmão é maciço ainda, não respirou, não pode flutuar). Sempre que o leitão deu uma só respirada, o pulmão flutuará, neste caso o leitão morreu por descuido do atendente.
Todas estas façanhas foram me encantando, passei no primeiro vestibular na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, na escola de Veterinária, em 1971. Cursei e fui um aluno com notas elevadíssimas. Colei grau dia 08 de dezembro de 1975 e comecei a trabalhar na área da medicina veterinária, mas sempre com foco nos suínos, estudioso, fazendo cursos, participando de congressos, viagens, gastava tudo o que ganhava para aprender sempre mais sobre esta fascinante espécie. Quando eu tinha 6 anos, um suíno possuía 35% de gordura em sua carcaça. Hoje, não chega a 6%, uma evolução extraordinária (nada de hormônios como muitos leigos falam) aqui só houve trabalho genético, nutricional, sanitário e o grande entendimento de como manejar corretamente este animal.
Num dia destes uma empresa chamada Intervet, multinacional Holandesa na época, um de seus vendedores me presenteou uma gravata com motivo de porquinhos. Nossa, que presente! Adorei mesmo. Minha mulher chegou a ficar braba comigo porque eu ia aos bailes com gravata de porquinho. Mas nada me demovia de eu poder levar no peito aquilo que sempre foi um orgulho pra mim.
Comecei a viajar para fora do país nos anos 80 e percebi que nos países produtores de carne suína, tinha em algum lugar gravatas deste motivo. Corria para um lado e outro e fui arrematando gravatas e mais gravatas. Também possuo duas borboletas com motivo de porquinho, para os bailes de gala. Estas mandei fazer com gravatas repetidas. Não saio em parte nenhuma sem levar no mínimo uma gravata. Jamais usei outra gravata depois de ter recebido a primeira com o motivo de porquinho. Participo de eventos oficiais, com gravatas mais discretas e nos de suinocultura, desfilo com as mais variadas, possuo 120 delas na minha coleção. Se eu preciso ou por vontade própria, sempre será gravata com motivo de suínos. Num evento de qualquer natureza, sempre uso uma gravata diferente por dia. Jamais repito. Tenho as que mais gosto, devido à dificuldade de encontrá-las.
Num retorno da Inglaterra, no ano de 1998, onde participei do Congresso Mundial de Veterinários Especialistas em Suínos, em Londres e arredores, comprei 8 gravatas lindas, todas com porquinho. De casa, quando fui para este congresso, levei cinco da minha coleção, as mais bonitas, assim eu usei uma por dia e desfilava pra todos verem que eu estava bem “calçado”.
Ao chegar no aeroporto de Londres, para embarcar para São Paulo, comprei mais uma, que estava exposta numa vitrine e esta eu coloquei no pescoço. Ao chegar em São Paulo, abri a mala para fazer alfândega, tudo normal, embarquei para Porto Alegre e aqui no Aeroporto Salgado Filho, cadê minha mala? Haviam roubado. A VARIG, na época, todo mundo me prometendo que no máximo em dois dias eu teria minha mala restituída. Até hoje recebi apenas o seguro, vários Mil dólares, mas minhas gravatas ninguém me restituiu e minha coleção ficou sem as 14 gravatas mais bonitas que eu possuía.
Mesmo assim, ainda é a maior coleção de gravatas do mundo com este motivo, seguramente.
Flauri Ademir Migliavacca, coordenador do Conselho Técnico da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs) e diretor técnico da Mig-PLUS Nutrimentos Agropecuários.