Seis meses depois de terem assinado com o Greenpeace compromisso público de não aceitar gado de fornecedores envolvidos com o desmatamento da Amazônia, os três principais frigoríficos do País – JBS Friboi, Marfrig e Minerva – apresentaram resultados menores do que o acordado com a organização não-governamental e pediram mais três meses para cumprir parte do prometido inicialmente.
Segundo o diretor da campanha Amazônia do Greenpeace, Paulo Adario, com os dados recolhidos pelas empresas ainda não é possível realizar o monitoramento das fazendas fornecedoras de boi gordo e, como consequência, garantir que as indústrias não estão comprando matéria-prima de áreas desmatadas.
Pelo acordo assinado entre os frigoríficos e o Greenpeace em outubro do ano passado, as empresas se obrigaram “a comprovar de forma monitorável, verificável e reportável que nenhuma propriedade rural fornecedora direta de bois para abate (fazenda de engorda) e que tenha desmatado no bioma Amazônia (…) faz parte de sua lista de suprimento”.
De acordo com Adario, para tornar viável o monitoramento por satélite é preciso que as empresas tenham as propriedades mapeadas, o que significa saber a localização exata e os limites das fazendas.
Em reunião com o Greenpeace realizada na segunda-feira, 6, Marfrig e Minerva conseguiram apresentar avanços significativos no número de fazendas cadastradas, mas não mapeadas. Com o cadastramento, os frigoríficos conhecem o chamado “ponto de curral”, mas não sabem o perímetro exato da propriedade.
“Ter o cadastro não é suficiente para realizar o monitoramento, mas o trabalho feito pelas empresas até agora não é desprezível. O ponto é que, se houver desmatamento em uma determinada região, apenas com o cadastro não é possível apontar quem foi o responsável. É preciso ter o posicionamento exato de cada fazenda”, explicou o diretor do Greenpeace.
No Pará, onde o setor também enfrentou uma ação do Ministério Público, a obrigatoriedade do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é feito junto à Secretaria de Meio Ambiente, ajuda na elaboração da lista que as empresas precisam entregar ao Greenpeace.
O Minerva, por exemplo, garante que 100% do gado adquirido no Estado tem o CAR. Já em Mato Grosso, a expectativa da empresa é atingir a totalidade de propriedades cadastradas em novembro deste ano, quando termina o prazo para que os pecuaristas adiram ao Programa Mato-Grossense de Regularização Ambiental Rural (MT Legal) sem multa.
Hoje, segundo Adario, o número de adesões ao MT Legal aproxima-se de 200 propriedades, mas, na avaliação dele, o baixo volume não significa que o processo não será completado.
O alto custo do mapeamento, atrasos na entrada em operação do sistema e o fato de os pecuaristas terem um prazo de um ano para apresentar um plano para o cumprimento da reserva legal a partir da adesão ao MT Legal explicam o baixo número de cadastros até o momento. Quanto mais tempo eles demorarem para aderir ao programa, mais tempo eles ganham para se planejar.
A Marfrig informou ontem ao Greenpeace que tem 80% da produção de suas quatro unidades localizadas na Amazônia Legal cadastrada, mas ainda não possui os mapas de todas as fazendas.
Em nota encaminhada por sua assessoria de imprensa, a companhia lembra que sua produção representa apenas 7% do total de bovinos abatidos na Amazônia Legal e informa que, neste momento, 108 fornecedores cadastrados na Marfrig oriundos da Amazônia Legal estão impedidos de comercializar produtos com a empresa até que sua situação seja regularizada.
A JBS, por sua vez, disse que até o final de abril 80% de seu volume de abate estará cadastrado. Hoje, esse porcentual é de 43%, conforme comunicou a empresa ao Greenpeace em encontro particular. Procurada, a JBS não se pronunciou sobre o tema até o momento.
Para completar os cadastros, Marfrig, JBS e Minerva pediram mais três meses ao Greenpeace. As empresas também prometeram ter os mapas em novembro. “Acredito que no final do ano será possível realizar o monitoramento das propriedades”, afirmou o advogado Marcelo Scaff Padilha, do escritório De Vivo Advocacia, que representa o Minerva no caso do Greenpeace. Segundo ele, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) estuda a contratação de uma empresa especializada em monitoramento, cujo custo será rastreado entre os associados.
“Farra do Boi”
Em junho de 2009, o Greenpeace denunciou o setor no relatório “Farra do Boi na Amazônia”, que acusava a indústria da pecuária de ser o principal responsável pelo desmatamento no bioma amazônico. Segundo o Greenpeace, a pecuária ocupa 80% das áreas já desmatadas na região.
No mesmo dia da publicação do relatório, o Ministério Público entrou com ação pública contra a criação e compra de gado da região. As empresas, aos poucos, assumiram uma a uma o compromisso de boicotar a compra de carne de áreas devastadas e as grandes redes de varejo seguiram o mesmo caminho.
Passados dez meses da publicação do relatório, a preocupação de grandes fabricantes mundiais de calçados em relação à origem do couro adquirido dos frigoríficos brasileiros continua alta.
Em reunião do Leather Working Group, realizada na semana passada em Hong Kong, algumas indústrias que compõem o grupo comprometido a não comprar couro proveniente de áreas desmatadas teriam apresentado descontentamento com o fato de os fornecedores brasileiros ainda não terem apresentado condições de monitoramento da matéria-prima.
No ano passado, logo após a denúncia do Greenpeace, algumas indústrias ameaçaram romper contratos com fornecedores de couro brasileiros, mas, após o compromisso assumido pelas companhias, acabaram voltando atrás, à espera de ações efetivas dos frigoríficos contra o desmatamento.