O primeiro discurso da presidente eleita, Dilma Rousseff, já marcou uma diferença em relação aos hábitos políticos do seu mentor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao contrário de Lula, Dilma leu um discurso escrito, evitando assim os arroubos e tentações do improviso. No texto, assumiu compromissos com a estabilidade política e econômica, alguns deles já explicitados durante a campanha eleitoral. No que diz respeito à economia, fez uma importante declaração de princípios.
Dilma lembrou que, para continuar a crescer, a economia brasileira terá que depender menos das economias avançadas. Como se sabe, a pujança da economia mundial ajudou sobremaneira o Brasil nos primeiros seis anos do governo Lula. Já o atual ciclo econômico, inaugurado no pós-crise, está sendo puxado pela demanda interna.
Diante da mudança de cenário, a presidente eleita disse que, a partir de agora, o País terá que contar com seus próprios esforços para crescer. Nesse trecho do discurso, ela mencionou a “nossa própria poupança”. Essa é uma referência importante porque, desde o ano passado, o Brasil vem produzindo déficits em transações correntes com o exterior.
Ceticismo do mercado não se ampara em sinais dados até agora
Esses déficits serão cada vez mais elevados quanto maior for a taxa de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) e menor for a capacidade do país de gerar poupança para financiar o crescimento. Cabe ao governo criar as condições para estimular a poupança privada e, ao mesmo tempo, contribuir com a sua própria poupança. O governo, hoje, é despoupador: para pagar suas despesas, vai ao mercado tomar dinheiro emprestado (déficit público). No ano passado, tomou o equivalente a 3,3% do PIB. Este ano, deve pegar 1,9% do PIB.
Ainda no discurso, Dilma se comprometeu em cuidar da economia com “toda a responsabilidade” e lembrou que “o povo brasileiro não aceita mais a inflação como solução irresponsável para eventuais desequilíbrios”. Em seguida, afirmou: “O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável.”
É límpido como cristal o compromisso da presidente eleita, manifestado no discurso de domingo, com a disciplina fiscal. E ela o assumiu, na primeira oportunidade, por uma razão muito simples: o governo Lula aumentou tanto o gasto público nos últimos dois anos que se tornou urgente emitir um sinal de que, a partir de janeiro, a nova gestão zelará pela “poupança pública”.
Os números são acachapantes: de janeiro a setembro, o governo elevou as despesas em 27,2% sobre o mesmo período do ano passado. A base de comparação já é inflada – de janeiro a agosto de 2009, ano da crise, os gastos aumentaram 16,7% em relação a período igual de 2008. Para quem não gosta de números como um mero exercício de abstração, uma comparação: nos primeiros nove meses de 2010, o PIB nominal avançou 13,5%, metade do crescimento dos gastos federais.
Como Dilma foi eleita com a expectativa de fazer um governo de continuidade, há um forte ceticismo no mercado quanto às suas reais intenções na área fiscal. Durante a campanha, ela avisou que, se eleita, adotaria uma meta para a redução da dívida líquida – dos atuais 41% para 30% do PIB em 2014. Ora, para atingir esse resultado, o governo terá que produzir superávits primários anuais de pelo menos 3,3% do PIB – resultados reais e não fajutos como os de 2009 e 2010, que incluíram, na contabilidade, investimentos do PAC e que tais.
Na semana passada, esta coluna conversou com um grupo de mais de 20 investidores. Eles manifestaram dúvidas quanto à capacidade política de Dilma em adotar uma agenda fiscal austera que rompa com o padrão adotado por Lula nos anos recentes. De fato, é difícil prever o que um personagem novo da política brasileira, como Dilma Rousseff, fará quando se sentar na cadeira de presidente da República. Os primeiros sinais emitidos por ela servem, no entanto, para que se lhe conceda o benefício da dúvida.
O mercado vive momento curioso. Como a situação fiscal nas economias avançadas está, em geral, calamitosa, os investidores estrangeiros olham para o Brasil e não veem problema na gastança promovida por Lula. O país é grau de investimento e, mesmo com a deterioração fiscal, está com a dívida líquida em nível aceitável. Além do mais, dizem os investidores, o governo paga juros de 10,75% ao ano a quem traz seus caraminguás para cá. Não há no mundo remuneração parecida – e não interessa aos estrangeiros saber que são os gastos públicos desenfreados que mantêm os juros nesse patamar. Os investidores locais, por sua vez, são menos tolerantes.
Superar as idiossincrasias de seu próprio partido, o PT, e as pressões das outras nove legendas que a apoiam para cumprir as promessas que fez será um dos desafios de Dilma. A presidente eleita sabe, também, que o País saiu dividido de sua eleição – o Brasil pobre e pouco desenvolvido, com exceção de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, a aclamou, e o Brasil rico e emergente votou em seu adversário. Ela enfrentará, ainda, o desafio de governar, pelo menos no início do mandato, sem o grau de aprovação do antecessor.