O debate acerca das mudanças no Código Florestal chega ao momento decisivo. A Câmara dos Deputados deve votar em breve o Projeto de Lei (PL) com as propostas de modificação que estão sendo compiladas por uma comissão de parlamentares encarregada das alterações.
Presidida pelo deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR) e tendo como relator o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), a comissão vem realizando uma série de audiências públicas pelo País a fim de ouvir as partes interessadas no assunto, com o objetivo de colher informações e sugestões para a elaboração do PL.
A Sociedade Rural Brasileira acompanhou o andamento das audiências públicas e constatou que alguns segmentos permanecem com uma postura intransigente, radical e ideológica sobre o tema. São correntes fundamentalistas que tumultuam as discussões, negam o diálogo e repelem qualquer iniciativa de consenso.
A necessidade de revisão do Código Florestal não surgiu à toa. Não se trata de desmonte da legislação ambiental como insistem em dizer. A realidade é que, para a agropecuária, o conjunto de leis vigente é inaplicável.
Não porque o Brasil precise desmatar para posicionar-se como celeiro do mundo. Não precisamos. Apoiado na tecnologia de produção, o agronegócio brasileiro avança em produtividade. De 1990 a 2009, a produção de grãos, por exemplo, cresceu 4,7% ao ano, enquanto a área plantada aumentou apenas 1,7% a cada doze meses.
O problema é que o atual Código Florestal, originalmente datado de 1965, foi remendado ao longo do tempo, por portarias, decretos e medidas provisórias, à revelia do avanço do agronegócio e sem debate com a sociedade e o Congresso Nacional. Criou-se uma legislação “Frankstein”, sem alinhamento e direcionamento estratégico, justamente por não observar qual era a realidade a que ela própria se dispunha a legislar.
Para se ter ideia da problemática da legislação ambiental brasileira, existem 16 mil leis que regem a questão. Esta verdadeira “Torre de Babel” de normas bloqueou 71% do território nacional, restando para todos os usos, sejam eles, urbanos, industriais, agrícolas, transportes, apenas 29% do País, diz a Embrapa.
Se a legislação fosse aplicada “ipsis litteris”, grande parte da produção de maçã em Santa Catarina; de café em Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo e de arroz no Rio Grande do Sul, teria que ser extinta. Não faz sentido reflorestar áreas cultivadas há séculos de forma sustentável. Mais de um milhão de produtores estão em risco de perder sua atividade.
Em decorrência desta sucessão confusa de novas regras, instituídas sem nenhum critério técnico-científico, um produtor que no dia anterior tinha a salvaguarda da lei para retirar floresta e usar o solo para agropecuária, no dia seguinte foi literalmente jogado no rol dos criminosos.
É o que, infelizmente, vem acontecendo com muitos produtores pelo País afora. Gente correta sendo tratada como criminosa. O mais recente remendo no Código Florestal determina que o produtor averbe a Reserva Legal até 11 de junho de 2011, uma providência meramente burocrática.
Esqueceram que para isso é necessário fazer a regularização das matrículas dos imóveis rurais, que por sua vez, para serem efetivadas precisam do georreferenciamento, processo demorado, complexo e dispendioso.
A realidade é que uma legislação que dilapida a riqueza já existente, em nome da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável, desconhece o significado de ambos os conceitos.
Sem o alicerce econômico, o produtor fica sem condições de dedicar atenção à esfera socioambiental. Para um empreendimento ser sustentável, ele precisa primeiro ser viável economicamente. Não dá para ser diferente.
Uma medida de reflorestamento tem que levar em conta a situação econômica do produtor. Uma legislação coerente ao invés de cegamente punir tem que sabiamente prever mecanismos que promovam a recuperação e conservação ambiental em sintonia com o resultado econômico.
A floresta amazônica tem que ser protegida, mas não ficar intocável. Deve ser ocupada racionalmente. Lá vivem 25 milhões de brasileiros. A mata só ficará em pé se lhe for atribuído valor econômico. E os produtos da floresta só se tornarão ativos para a humanidade se forem combinados com a ciência. O vilão da Amazônia atende pelo nome de direitos de propriedade mal definidos.
O pagamento por serviços ambientais é muito bem-vindo se for efetivamente implantado. Na prática, já existem projetos bem-sucedidos neste sentido. Se as reservas florestais são um benefício para toda a sociedade, por que então apenas o produtor deve arcar com o gasto de criá-las ou mantê-las?
Os custos para sua implantação e manutenção devem ser distribuídos entre todos e o produtor deve ser remunerado pelos serviços realizados. Proteger nascentes, evitar o assoreamento dos rios, conservar o solo, manter a biodiversidade custa caro.
Transformar o passivo ambiental num processo de geração de riqueza é olhar para o futuro e não remoer o passado. O estado de São Paulo já mantém uma rede de mais de 100 áreas de conservação, estruturadas e com administração, operando bem. Incentivar modelos similares implantando reservas florestais de grande porte é uma política florestal mais eficiente e moderna.
É com base neste cenário que a Sociedade Rural Brasileira defende uma nova modelagem para legislação ambiental. Um novo Código Ambiental, baseado em políticas públicas que incluam a participação de toda a sociedade.
O produtor sabe que sua sobrevivência está atrelada ao convívio amigável com o meio ambiente. Contudo sabe também que é inviável para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil assumir um compromisso radical de banir qualquer forma de interferência no meio ambiente.
É dever de todos nós ajudar o Brasil a crescer certo, livre de equívocos cometidos por outras nações, estimulando o manejo sustentável em favor do equilíbrio entre as necessidades da população e a gestão correta do estoque de produtos naturais que temos.
*Cesário Ramalho da Silva é presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB).